Diariamente a sociedade brasileira é exposta a uma enxurrada de conteúdos sobre guerras, com cenas de violência. Analistas apontam que efeitos isso causa nos espectadores e como os conflitos em curso afetam a economia cotidiana.
O mundo vivencia vários conflitos simultâneos na África, na Faixa de Gaza e na Ucrânia, que inundam diariamente os noticiários com imagens impactantes e cenas de violência. Essa exposição contínua impacta a sociedade brasileira tanto emocionalmente quanto economicamente, conforme analistas entrevistados pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
Em entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, eles apontam os reflexos dessa exposição nas redes sociais, com acaloradas discussões on-line, bem como o papel da mídia nessa questão.
Como a guerra afeta a saúde mental?
Mauro Hochlin, economista e coordenador acadêmico da Fundação Getulio Vargas (FGV), chama a atenção para a importância da educação para assegurar a capacidade de filtrar melhor as informações sobre conflitos que chegam através dos noticiários, de forma a fazer bom uso delas.
“Existe hoje uma multiplicidade de fontes de informação. A gente está de fato bombardeado, assoberbado de informações, de dados, de todas as maneiras. E eu acho que à medida que a educação avança, a gente consegue decifrar melhor esse mundo de informações”, explica.
Hochlin afirma que o conflito na Ucrânia não impactou tanto economicamente os brasileiros porque o país hoje é autossuficiente em petróleo, situação bem diferente do que ocorreu no primeiro e no segundo choques do petróleo.
“De uma certa maneira, esses choques externos, se forem do lado produtivo, do lado que a gente chama de lado real da economia e não do lado financeiro, nós estamos razoavelmente defendidos. O nosso balanço de pagamentos não é um problema. Veja hoje a Argentina, às voltas com a escassez de dólares, a gente não enfrenta esse tipo de problema.”
Ele acrescenta que eventualmente pode haver algum problema do lado financeiro devido às questões externas, mas reafirma que o Brasil “tem uma situação razoavelmente confortável” neste momento.
No entanto o economista afirma que alguns produtos sofreram variação de preço por conta de conflitos externos, citando o caso da Ucrânia. Segundo ele, a redução no abastecimento de petróleo e gás russos à Europa, desencadeada pelas sanções contra a Rússia, gerou um efeito dominó nas cadeias de produção global.
Ele aponta ainda que “o trigo também é um produto que tem uma boa parte de sua oferta proveniente da Rússia e da Ucrânia, e também sofreu restrições pela própria guerra”.
“Isso elevou o preço do trigo. O trigo mais caro, de uma certa maneira, repercute em algum momento lá no preço do pãozinho da dona de casa.”
Como controlar a ansiedade em eleições
Outro fator externo com potencial para impactar a vida e a sociedade brasileira foi a eleição de Javier Milei na Argentina.
Embora não seja um conflito armado, a ascensão de Milei gerou forte repercussão nos noticiários brasileiros e nas discussões on-line. Como aponta Hochlin, as decisões a serem tomadas pelo novo líder do país vizinho podem afetar diretamente o Brasil, tanto positiva quanto negativamente.
“Se a gente pensar numa Argentina estável, próspera, com ótimos indicadores econômicos, crescimento do PIB [produto interno bruto], da riqueza, do IDH [índice de desenvolvimento humano], […] do comércio exterior, isso só traria ganhos para o Brasil.
É um mercado de 40 milhões de habitantes, já foi uma economia de altíssima renda per capita, é uma economia de uma população educada. Então imagina a Argentina hoje nadando de braçada. Olha o que isso repercutiria no Brasil em termos de exportações, de investimentos, de mercados.”
Por outro lado, ele afirma que o agravamento da crise argentina é uma “tragédia portenha lamentável para o Brasil”.
“Estamos perdendo em mercado externo, nossas exportações são menores do que podiam ser, estamos perdendo em investimento, enfim, estamos perdendo até mesmo em termos de imagem, porque, bem ou mal, arranha um pouquinho a imagem da América Latina uma economia como a da Argentina estar mal das pernas.”
O economista acrescenta que o mais preocupante em Milei não são as ideias liberais eventualmente a serem tomadas por seu governo, mas sim o comportamento do novo presidente argentino, com seu histrionismo e sua maneira esquisita de agir.
“Acho que esse tipo de postura, esse tipo de comportamento, não costuma jogar a favor de decisões mais serenas, decisões mais ponderadas, decisões mais sensatas. Fico achando que esse histrionismo é sintoma de algum problema.”
De acordo com Hochlin, comportamentos como o de Milei levam o mercado a reagir de forma negativa.
“O mercado entende isso como maior incerteza. […] Diante de um quadro de maior dificuldade, o Milei não teria condições de responder à altura. Então estamos falando de mais incerteza, portanto estamos falando de mais risco.”
Qual é a importância da informação?
Em entrevista ao podcast Mundioka, Laura Quadros, professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que o acesso à informação é positivo, pois é uma forma de ser incluído e ter cultura. No entanto ela alerta que o perigo mora nos excessos.
“O que ocorre, a meu ver, é que esse excesso [de informação], todos os excessos, em qualquer área, são nocivos. Porque eles justamente nos tiram uma oportunidade de organizar o que é bom, o que é ruim, de fazer escolhas. Então essa avalanche de informações frequentes, constantes, ela desorganiza bastante a nossa experiência emocional.”
Laura Quadros destaca a importância de filtrar as informações recebidas diariamente, analisando “que tipo de informação realmente faz sentido, que tipo de informação realmente agrega algum valor à sua realidade”.
“O que pode ser interessante para mim pode não ser interessante para você. E acho que se você tiver esse bom senso de não querer saber tudo o tempo todo, você pode, sim, fazer um bom uso da informação. A gente tem hoje uma tecnologia que nos permite informações quase que em tempo real, ou até mesmo em tempo real. E isso é um avanço, e acho que a gente tem que desfrutar disso agora”, diz a professora.
Quais são os efeitos psicológicos da violência?
Ela chama a atenção para conteúdos violentos que, para algumas pessoas mais sensíveis, podem não ser adequados, por isso a importância de selecionar conteúdos.
Questionada sobre pessoas que gostam de se alimentar de noticiários policialescos, ela afirma que esse tipo de pessoa, em sua opinião, não filtra a informação recebida.
“Esse tipo de pessoa fica ali antenada um pouco nas informações que são pesadas, que trazem tristeza, conteúdos de alta violência. E isso intoxica. Eu penso que a pessoa que é exposta constantemente a isso vai ver o mundo a partir dessas lentes.
E vendo o mundo a partir dessas lentes, o que ela vai esperar?
Acho que ela fica ali com conteúdos muito difíceis de serem absorvidos, muito dolorosos, e acho que isso perpassa nossas emoções, nossos corpos também, que ficam ali, tensos, com esse tipo de informação.”
A professora aponta para a responsabilidade da mídia nesse contexto. Ela diz que noticiários policialescos talvez tenham um apelo popular, mas também destroem um pouco da expectativa e da esperança de quem assiste.
“A meu ver, o jornalismo também tem uma responsabilidade em relação a isso, porque são programas que exploram certos nichos.”
Como a guerra afeta a vida das pessoas?
Questionada sobre os impactos que situações como a que está acontecendo na Faixa de Gaza, com imagens de violência, de pessoas sendo deslocadas e passando fome, causam em espectadores, Laura afirma que “guerras, de um modo geral, trazem grande tensão e angústia”.
“Acho que a maior chaga da guerra são as vidas de inocentes, especialmente crianças, sendo ceifadas, sendo submetidas a violências inomináveis. Então acho que a gente reconhecer isso é uma experiência humana. É você ver acionada ali a sua humanidade. De uma criança sofrendo, uma mãe que perde seus filhos, um pai desesperado que não tem o que levar de comida para sua família.”
Ela afirma que esse tipo de conteúdo impacta porque as pessoas que assistem “têm água para beber, luz, alguma comida dentro de casa”.
“Acho que essa é uma experiência muito difícil e muito triste. E isso também nos coloca em situações de reflexão.”
Segundo Laura, é necessário permitir que essa experiência sensível tenha um espaço de elaboração, de acolhimento.
“Claro, estou falando isso em um determinado contexto; como eu disse, cada situação é uma situação. Mas acho importante a gente pensar o que resgata a nossa humanidade. Porque a modernidade é muito focada na produtividade, é muito focada no ter, e muitas vezes nós paramos para sentir, ou nos permitimos sentir, paradoxalmente, quando estamos diante da tragédia”, afirma a professora.
Melissa Rocha