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Futuros governistas terão trabalho para convencer eleitor frustrado

Sérgio Lima

A imprensa brasileira tem dado ampla cobertura aos presidenciáveis por meio de entrevistas, perfis e matérias, o que tem sido ótimo para que o eleitor comece a separar o joio do trigo.

Verdade que, até o momento, está difícil achar o trigo.

Contudo, não deixa de ser útil saber como pensam esses candidatos, que propostas preliminares têm para a economia, como pensam – se é que o fazem – além da economia, o que priorizam, e quão detalhadas são suas propostas.

O fio comum de todas essas entrevistas é o afastamento da Lava-Jato e a apresentação de cada candidatura como “honesta” e “distante do establishment político”, a despeito das possíveis diferenças em outros aspectos.

Diante do ceticismo dos eleitores, o fio comum faz lembrar o mítico Sísifo: cada candidato empurra a rocha da honestidade ladeira acima, apenas para vê-la rolar ladeira abaixo logo em seguida.

Nada mais próximo de Sísifo do que os candidatos governistas. Esses tentam a todo custo emplacar os méritos da recuperação econômica junto à opinião pública, salientando a queda da inflação, o fim da recessão, as reformas.

Esbarram, entretanto, no mercado de trabalho ainda moribundo e na indelével constatação de que as reformas nada fizeram para reverter o preocupante quadro fiscal brasileiro – para não falar da própria fragilidade da recuperação.

Esses candidatos são os que mais trabalho terão para não rolar ladeira abaixo junto com as rochas de esperanças frustradas que tentam empurrar ladeira acima, custe o que custar. Não à toa, as intenções de votos até o momento não lhes dão grandes chances de chegar ao 2º turno.

Como havia dito há cerca de 2 anos, o problema de 2018 é o inverso do que se via em 2014: na última eleição, muitos economistas sabiam que o País estava prestes a degringolar, mas o desemprego baixo com uma taxa de inflação ainda relativamente contida davam a sensação de que o Brasil tinha algum futuro.

Em 2018, dá-se o contrário: há recuperação em curso, embora frágil, mas a taxa de inflação baixa não compensa o desespero associado ao desemprego nas alturas.

A deterioração recente do mercado de trabalho apenas acentua a percepção negativa em meio a todos os outros graves problemas de legitimidade que fatalmente haverão de enfrentar os aspirantes ao comando do futuro governo.

Boa ilustração da imensa dificuldade do discurso governista é a recente entrevista do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles para o Correio Braziliense.

Perguntado sobre a recuperação da economia, respondeu o ex-ministro com excesso de tecnicalidades sobre a velocidade da recuperação que para o eleitor pouco interessa.

Disse que desde 2017 o mercado de trabalho tem reagido – o que é verdade –, mas o que as pessoas sentem são os efeitos dos 13,7 milhões de desempregados que ainda temos, e das vagas precárias até então criadas a partir da retomada da atividade.

Como sublinha o presidenciável, é claro que a profunda crise que abalou o Brasil deixa sequelas que demoram para se dissipar. Mas, o eleitor não parece muito disposto a esperar. As imagens de doentes da UTI são clichês que pouco convencem.

O desafio dos presidenciáveis governistas é que foram eles que prometeram que o país mudaria quando eles estivessem no comando, foram eles que disseram que as reformas nos tirariam do atoleiro.

No entanto, o que vê o eleitor é que pouco disso se concretizou. Ao eleitor não interessa debate técnico sobre as defasagens da economia.

Mas talvez o maior desafio dos governistas seja explicar porque a economia brasileira sofre hoje os abalos que nos atingem do exterior – o dólar que sobe, a bolsa que cai.

O motivo é claro: a política de estímulos fiscais nos EUA coadunada com protecionismo e temores de guerra comercial com a China, quiçá com a União Europeia, geram enormes incertezas.

Essas incertezas se propagam de forma mais intensa em países vulneráveis. O Brasil é um desses países devido a diversas razões, dentre elas as contas públicas desarrumadas que Meirelles prometera consertar.

Para tanto, aprovou o teto dos gastos em dezembro de 2016 sem o suporte da reforma da Previdência.

Até hoje não vi qualquer explicação plausível sobre porque a reforma da Previdência não foi encaminhada junto com o teto dos gastos – como deveria ter sido para que as reformas tivessem os efeitos prometidos – no momento em que gozava o governo Temer de amplo capital político. Penso que essa resposta deva ser cobrada de todos os sísifos governistas.

Para o escritor Albert Camus, Sísifo exemplificava o absurdo: para escapar à morte, comprometeu-se com uma tarefa sem sentido sabendo que executá-la não traria recompensa além de evitar o padecimento.

No caso dos presidenciáveis brasileiros, sobretudo dos governistas, o mito de Sísifo é particularmente relevante. Haverão de executar tarefa possivelmente sem sentido – convencer os eleitores de que não tendo feito nada do que prometeram agora o farão – tendo como provável destino o padecimento político.

MONICA DE BOLLE

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