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Gilmar critica Lava Jato, mas defende suspensão da posse de Lula

Ministro Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse que não se arrepende da decisão que suspendeu a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro em 2016, quando o líder petista teve suas conversas telefônicas grampeadas pela Operação Lava Jato.

“Hoje temos uma visão mais completa do que estava se passando”, afirmou nesta segunda-feira (9).

“Mas as informações disponíveis na época permitiam concluir que havia um viés de fraude na nomeação, um desvio de finalidade, e foi esse o sentido da decisão.”

Reveladas pela Folha neste domingo (8), conversas de Lula gravadas pela Polícia Federal e mantidas sob sigilo desde 2016 colocam em xeque a tese de que sua nomeação como ministro pela então presidente Dilma Rousseff (PT) tinha como objetivo principal obstruir as investigações da Lava Jato.

Dilma nomeou Lula como ministro da Casa Civil em 16 de março de 2016 e o empossou no dia seguinte.

Gilmar suspendeu a nomeação e barrou sua posse no dia 18, ao examinar duas ações apresentadas por partidos que faziam oposição ao governo Dilma, o PSDB e o PPS, hoje Cidadania.

Outras conversas interceptadas naquele dia, analisadas pela Folha em conjunto com o site The Intercept Brasil, mostram que Lula relutou em aceitar o convite, só aceitou ser ministro após sofrer pressões de aliados e estava empenhado em buscar reaproximação com o PMDB para evitar o impeachment de Dilma.

Os diálogos foram interceptados quando a PF e as operadoras de telefonia já tinham recebido ordem para interromper a escuta telefônica, mas somente o telefonema de Dilma foi tornado público pelo então juiz Sergio Moro, que era responsável pelas ações da Lava Jato em Curitiba e levantou o sigilo da investigação sobre Lula.

“Seria preciso ter todas as informações disponíveis e analisá-las em seu devido contexto”, afirmou Gilmar nesta segunda-feira.

“Mas é muito estranho que somente um pedaço do fato e não sua inteireza tenha sido divulgado à época.”

Embora duas ligações de Lula interceptadas e mantidas sob sigilo naquele dia tivessem o então vice-presidente Michel Temer (PMDB) como interlocutor, o STF nunca foi informado de que ele também fora grampeado pela Lava Jato.

Mensagens recebidas pelo Intercept mostram que os integrantes da operação foram alertados num grupo do aplicativo de mensagens Telegram de que uma conversa de Temer também fora interceptada, mas o telefonema foi mantido em sigilo mesmo assim.

Moro, hoje ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL), disse à Folha que na época só tomou conhecimento dos áudios anexados à investigação sobre Lula pela Polícia Federal, a quem cabia selecionar os diálogos interceptados que fossem relevantes para o caso.

Em seu despacho em 2016, Gilmar concluiu que o objetivo de Dilma ao nomear Lula era impedir sua prisão, que os petistas consideravam iminente, e apontou como prova decisiva o áudio de 1min35s com o telefonema em que Dilma tratou com Lula de sua posse no dia 16.

No telefonema, Dilma avisou Lula que mandara um assessor entregar o termo de posse para que ele tivesse o documento em mãos “em caso de necessidade”. O ex-presidente assentiu e os dois desligaram.

“A conduta demonstra não apenas os elementos objetivos do desvio de finalidade, mas também a intenção de fraudar”, escreveu Gilmar em seu despacho na época, quando apontou contradições entre o conteúdo do diálogo e uma nota distribuída horas depois pelo Palácio do Planalto.

Para ele, não importavam as intenções de Dilma ao levar o antecessor para o governo, mas os efeitos da nomeação.

Ao garantir a Lula foro especial no STF como ministro, transferindo seu caso de Curitiba para Brasília, a nomeação paralisaria as investigações da Lava Jato, argumentou.

“Não importam os motivos subjetivos de quem pratica o ato ilícito”, escreveu Gilmar em seu despacho. “A rigor, não cabe investigar aqui o dolo, a intenção de fraudar a lei.”

Em sua decisão, o ministro do STF também citou outras três ligações grampeadas que foram tornadas públicas por Moro na época, incluindo uma conversa em que Lula critica ministros do Supremo e dois diálogos em que aliados defendem sua nomeação com o objetivo de protegê-lo contra o cerco da Lava Jato.

“O importante agora é organizar uma fuga para frente”, disse Gilmar nesta segunda. “Todas essas revelações estão expondo falhas no nosso sistema judicial, que permitiram abusos e mostram a necessidade de maior controle. Todos temos de fazer uma revisão.”

A Segunda Turma do STF, da qual o ministro faz parte, está para julgar um pedido da defesa de Lula que alega suspeição de Moro para atuar nas ações movidas contra Lula.

Em junho, Gilmar defendeu o adiamento do julgamento, para que se analisasse melhor as mensagens obtidas pelo Intercept.

FSP

 

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