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Igualdade não é ideologia. Igualdade é humanidade.

O LARGO DO MACHADO

É evidente que vou votar em Marcelo Freixo neste domingo.

E é também evidente a quem acompanha este blog, que o farei sem uma grama da paixão vibrante que, a cada eleição, sempre me acompanhou.

Dói-me ver o Rio submetido a uma disputa tão medíocre e, sobretudo, com a eleição transformada numa guerra religiosa.

Quem está aqui e assiste as peças de propaganda na TV e no rádio verifica isso. Quem não está, não pode imaginar.

Mas aí, em meio a este horror para quem ver quem é o mais “correto”, o mais certinho, o mais bem cuidado, eis que me surge uma luz, um retrato do Rio que ainda é (que ironia!) desenhado ao som de “Sampa” de Caetano Veloso.

Aquele pobre homem, homem pobre, largado, andrajoso, possivelmente com chagas pelo corpo, certamente com chagas de desilusão sobre a alma, olhando as delicadas moças que dançam, é, essencialmente, um homem como eu.

Não assim, como da mesma espécie animal, como fosse  vínculo longínquo de cromossomos, um parentesco distante como – alguns nem isso,  rejeitando Darwin – o de um símio.

Tudo o que me veio, ao ver a cena, preciosamente registrada por meu amigo Hayle Gadelha, foi só uma coisa: vontade de me sentar no chão ali, ao lado dele, e viver o mesmo encantamento.

Simples, gratuito, humano, gentil.

Mais ainda.

Sentar-me ao lado de alguém que tenha tido dificuldades maiores que as que tive, sortes menores, carinhos ínfimos, amores mais escassos, revezes mais terríveis.

E ainda assim tão igual a mim ao olhar uma linda cena.

Eu é quem devo procurar em mim o que é igual a ele e não ver se acho nele algo que seja igual a mim.

Também eu não vivo na praça, dizendo minhas sandices, coisas que fogem ao senso comum e, mesmo razoavelmente articuladas, chamadas de loucuras pelos “homens bem-sucedidos”?

Também eu não estendo o meu chapéu roto – embora cibernético – para viver do que me dão os que me ouve e acham sentido no que digo?

Também eu não sou fruto do amor, da solidariedade, da capacidade humana – mais,  da inevitabilidade – de sermos diferentes e amarmos igualmente o belo, o bom, o justo?

Por isso é que a vontade que me vem é a de sentar ali, nas pedras portuguesas do largo que tem o nome de um mulato, Machado de Assis, ao lado do meu irmão negro e olhar encantado o que é bonito.

Não sei se ele reza,ou para quem reza, embora duvide de que aqueles a quem reza lhes retribuam em graças pequenas.

Uma bem grande, porém, ele nos dá igual, a de sermos seres humanos, de reconhecermos nossa semelhança, onde um não é – apenas está , e olhe lá – melhor que o outro

Minha falta de fé não me faz melhor que a fé alheia, nem a fé – ainda que torta – alheia não faz ninguém melhor que eu.

O que faço, o que sou, o que tenho só me vale se eu continuar, até o último dos dias, tendo mais prazer de sentar ali, ao lado daquele homem, olhando as moças, e puder como o Chico Buarque, cantar minha cidade:

Rio do lado sem beira/Cidadãos Inteiramente loucos/Com carradas de razão/À sua maneira/De calção/ Com bandeiras/sem explicação/ Carreiras de paixão danada

Mas o que vejo são homens frios e mesquinharias, a disputar – como se pudessem ter – uma cidade que já foi, e será de novo, tão quente quanto é generosa.

Viva o Rio de Janeiro, a mui leal e heroica cidade de São Sebastião da Liberdade!

Fernando Brito

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