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O caos que se instala no Brasil não é por acaso, é projeto de poder

Os desencontros e o conflito pesado, mas subterrâneo, no interior do núcleo das principais instituições públicas do Brasil transbordou e se tornou guerra aberta.

As entranhas do sistema estão agora expostas, e agora saltam aos olhos mais míopes, para enxergar o tamanho da crise política pela qual passa o país.

Na superfície, a briga entre STF, PGR e parte da imprensa desnuda o perigo da censura, indício clássico do fechamento dos regimes.

Mas ela também mostra que atores do STF “piscaram”, como nos filmes de bang-bang.

Parece que alguns deles finalmente perceberam que não ficarão para o final da festa.

Afinal, desde 2016 as facções saborearam e deglutiram todas juntas com extrema volúpia os quitutes que conseguiram amealhar – às expensas da Constituição.

Quantas vezes nós ouvimos até há pouco tempo atrás, dos mesmos atores que agora se digladiam a céu aberto, que “as instituições estão funcionando”?

Saiba mais: O que sobrou do Brasil após o golpe de 2016?

A resposta está na vitória desse projeto político que venceu as eleições de 2018.

É um projeto que ocupa as ruas para esvaziá-las, que nomeia quadros para Ministérios que visam desinstitucionalizá-los, formulando leis para desconstitucionalizar a Constituição, que promete a “ponta da praia” para seus adversários.

Há segmentos que se aliaram a esse projeto há um bom tempo, seja por convicção, por aliança tática ou mesmo por omissão.

Alertados de que seguindo o rompimento das leis como instrumento para causas maiores era uma espécie de buraco negro insaciável, deram de ombros.

O importante era tirar “sabe-se quem” do poder. O pensamento utilitário é central para explicar a forma de raciocínio dessa gente.

Em algum momento chegaríamos ao dia em que quem se regozijou pela suspensão arbitrária dos direitos dos adversários padeceria do mesmo achaque.

É difícil acreditar que os freios que não foram postos no passado serão, dessa vez, colocados.

Como na tira de Laerte, o pequeno cão agressivo, depois de solto, retorna contra seu dono como um imenso predador e voraz.

A questão é que dentro das elites dirigentes não houve – e não há – qualquer modalidade de competição valorativa  e substancial.

Em seu esforço por assumir o poder, que vozes liberais no topo puseram a mão no ombro do desconhecido e disseram, este vai nos seguir.

Quem está dirigindo as instituições republicanas?

Claramente, ninguém.

Os empates, os confrontos do poder pelo próprio poder, bagunçaram as hierarquias constitucionais.

Não tem mais o dizer: “isso está fora da lei”.

A competição que veio  a público, traduz um desejo que está sendo alimentado pelo atual governo, sobre quem vai construir o próximo golpe.

Tanto em 1962 como em 2019, a fresta de luz democrática parece cada vez mais ofuscada.

Lá, como cá, parece não haver muita preocupação com esse porvir. Juscelino é favorito nas próximas eleições, e Lacerda governa a Guanabara pensando em voos mais altos.

A derrocada das democracias no mundo de hoje não depende mais da súbita presença de tanques de guerra nas ruas – ainda que, ao final do processo, eles possam aparecer.

O desgaste é lento, a gestação é longa, o desdobramento depende da remoção diária de um, ou dois tijolinhos. Mas, no fim, o bebê de Rosemary é o mesmo.

Quem dá a cara a esse projeto soa como um grande arlequim para muitos.

E talvez o seja, mesmo.

Mas o projeto não precisa ser sofisticado ou erudito para ser bem-sucedido.

E, em miúdos, ele pode ser bem eficaz, mesmo.

Depende de enquadrar o Congresso e o STF.

Para emparedar o primeiro, a receita passa pelo fantasma da Lava Jato.

Rodrigo Maia já sentiu e percebeu isso.

Para dominar o segundo, é válido ameaçá-lo, via Senado, com CPIs (como a da “Lava Toga”), com aberturas de processos de Impeachment e emendas voltadas a “acelerar” a aposentadoria de Ministros.

Enquanto joga uma instituição contra a outra e aguarda a oportunidade de nomear seus pit-bulls para o Supremo, tenta manter a chama acesa de sua claque – atacando figuras as quais, sabemos, foram fundamentais para dar sustentação institucional a esse projeto.

Quanto mais crise, mais desconfiança. Quanto mais desconfiança, mais apelo à ordem.

De todo modo, alguns perguntariam: mas e a economia?

Já caiu por dois meses seguidos, um resultado que nem os mais pessimistas poderiam prever, dado o banho de expectativas positivas apontado nas pesquisas pós-eleitorais.

E ainda poderá piorar muito. Há quem possa transformar essa crise em oportunidade.

A “piscada” de Toffoli, Moraes e outros é aquela que se espera de quem dispõe de munição e se encontra sob ameaça real de perda de posição.

Foi o mesmo tipo de “piscada” dada pela Lava Jato ao ver seu prestígio abalroado em virtude do escândalo da criação da fundação privada pra gerir a indenização da Petrobras – a “piscada”, no caso, foi prender o Temer, basicamente com fulcro em delações de 2017 (!).

São bons exemplos de reações de elites que sentem o risco de se verem alijadas do butim e que, ao resistirem, se comportam de forma idêntica aos grupos que as pressionam.

Nesse contexto, não há muito risco de as instituições darem certo.

A corrida ao colapso ocorre a todo o vapor.

Meu ponto, parafraseando Darcy Ribeiro, é que o caos não é acaso, é projeto.

É paradigma de gestão.

E enquanto a oposição não entender isso, irá continuar a dançar o baile da morte, em meio aos convescotes regados a muita lacração.

Sem formar uma coalizão que tenha no centro a defesa da Constituição, naufragaremos.

 

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