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O IBOPE E AS FALSAS ESPERANÇAS, POR MIGUEL DO ROSÁRIO

Depois das últimas decisões judiciais contra Lula, os seus 33% no Ibope divulgado na quinta feira geram o risco de jogar água no moinho das falsas esperanças.

Os eleitores de Lula devem tomar cuidado para não comemorar o resultado como se isso significasse uma grande vitória, esquecendo que, na verdade, temos a seguinte situação: o ex-presidente permanece preso, sem prazo para sair, e ministros de todas as instâncias superiores (TSE, STJ e STF) não passam um dia sem deixar claro que o ex-presidente não poderá ser candidato.

A expectativa de um grande levante popular, que possa libertar Lula ou garantir o seu direito a se candidatar, esbarra na apatia generalizada e numa rejeição muito grande em segmentos importantes da sociedade.

No Sul e Sudeste, segundo o mesmo Ibope, o percentual dos eleitores que disseram “não votar de jeito nenhum” em Lula é de 43% e 38%, respectivamente. Entre eleitores com renda familiar superior a 5 salários,  mais da metade tem rejeição ao petista.

Faltam exatamente 100 dias para o primeiro turno das eleições presidenciais.

Com a maior parte da população consciente do risco do ex-presidente não conseguir o seu registro, a migração dos votos lulistas para outros candidatos já pode ser vista nos cenários sem a sua presença.

Com Lula no cenário, há 22% de votos nulos e 6% de indecisos. Sem Lula,  nulos pulam para 33%, e indecisos para 8%.

Sem Lula, alguns candidatos experimentam um vigoroso crescimento, especialmente nos segmentos “lulistas”.

No Nordeste, por exemplo, Ciro Gomes cresce 10 pontos sem Lula: vai de 4% para 14%.  Entre pessoas com renda até 1 salário, os votos em Ciro sobem de 3% com Lula para 10% sem Lula.

Marina Silva experimenta um progresso igualmente significativo entre o mesmo eleitorado.

Ambos, Ciro e Marina, são os principais herdeiros do patrimônio eleitoral lulista, e dividem o primeiro lugar entre mais pobres, no nordeste e entre eleitores mais velhos.

 Na média nacional, Ciro e Marina dobram seu eleitorado: o pedetista tem 4% em cenários com Lula e vai a 8% sem ele; a ex-ministra do Meio Ambiente cresce de 7% para 13%.

Mas todos os candidatos herdam um pouquinho do espólio lulista. Até Bolsonaro e Alckmin engordam dois pontinhos cada, quando Lula não está no cenário.

Fernando Haddad, o provável novo “poste” de Lula nessas eleições, tem desempenho ainda muito medíocre em cenários sem Lula. O único segmento onde ele sai da margem de erro é entre eleitores com renda familiar mais alta, onde pontua de 3% a 4%. No Nordeste e entre eleitores que ganham até 1 salário, que formam o núcleo duro do lulismo, Haddad tem 2% e 1%, respectivamente.

A rejeição de Lula na classe média e no Sul

A pesquisa Ibope põe em evidência aquilo que consideramos o ponto mais sensível da candidatura Lula: sua alta rejeição na classe média.

Entre eleitores com renda familiar acima de 5 salários, 53% responderam que não votariam de jeito nenhum no ex-presidente. Entre eleitores com ensino superior, sua rejeição é de 45%. Essa classe não é formada propriamente por eleitores “ricos” ou “privilegiados”, embora sejam minoria social em relação à massa trabalhadora.

Considerando a base usada pelo Ibope, esse eleitorado corresponde a cerca de 15 milhões de eleitores, ou 10% do eleitorado. É, para o bem e para o mal, a “elite” do país.

Jesse Souza qualifica a parte reacionária dela como a “elite do atraso”, por seu conservadorismo frequentemente tosco e antinacional.

Mas a parcela progressista da sociedade, dotada das ferramentas intelectuais e materiais indispensáveis à luta política, vem da mesma elite.

Essa rejeição de classe a Lula seria mais contornável se fosse diluída nas regiões brasileiras. Mas é extremamente concentrada no Sul e no Sudeste.

Os problemas de rejeição a Lula são piores nas capitais (34%) e periferias (35%), e menores no interior. Todas essas características irão trazer muitas dificuldades à campanha petista, sobretudo porque se tornou uma rejeição radicalizada, com elevado poder de mobilização.

Bolsonaro também carrega uma rejeição relativamente alta, com média geral de 32%, mas em nenhum segmento ou região esta ultrapassa a marca de 34%. (correção: entre jovens até 24 anos, Bolsonaro tem 38% de rejeição).

A armadilha

A presença de Lula nos cenários eleitorais constitui, certamente, uma deliciosa provocação contra  arrogância dos setores que deram o golpe.

Mas é também uma armadilha, porque ilude a esquerda com uma superioridade eleitoral prestes a ser aniquilada, com uma canetada, a qualquer momento.

Iludidos, os eleitores progressistas não se articulam de maneira inteligente, não atacam os adversários corretos, e não disseminam os símbolos necessários. E o voluptuoso número de intenção de votos se torna fogos de artifício que nos cegam para os gravíssimos problemas de rejeição a Lula e ao PT.

Se é para dar atenção às pesquisas, ela deve se voltar também para seus aspectos críticos.

A direita, aparentemente, quer trazer a esquerda para um ringue em que ela se sente mais segura para vencer: a luta jurídica.

Lula candidato, apesar de sua enorme, avassaladora força popular, é o oponente perfeito para as forças conservadoras, por duas razões: em primeiro lugar porque podem cassar seus direitos políticos antes, durante e depois das eleições; segundo, porque não teriam que discutir seus programas de governo, mas apenas martelar, na cabeça dos eleitores, os estigmas judiciais do petista e de seu partido.

Diante da capacidade de planejamento estratégico que vimos ao longo do golpe, essa é uma teoria de conspiração que devemos deixar em cima da mesa.

Ciro Gomes

Os internautas deverão estar se perguntando ainda qual a minha opinião sobre o desempenho de Ciro Gomes no Ibope, candidato badalado e espancado nas redes sociais, e apoiado por este humilde editor como a opção mais promissora à esquerda. Os 4% no cenário com Lula é decepcionante, mas está em linha com outras pesquisas. No último Datafolha, Ciro pontuou 6% em cenário com Lula.

Uma pesquisa, todavia, não deve ser levada ao pé da letra. É preciso olhar o quadro maior. E Ciro tem de ser visto principalmente em cenário sem Lula.

Com Lula no páreo, sua candidatura não tem, de fato, nenhum sentido.

Os seus 8% no Ibope (10% a 11% no Datafolha), no cenário sem Lula, lhe garantem uma base bastante competitiva para almejar um lugar no segundo turno. Jornais importantes estão afirmando, hoje, que o PSB, uma das maiores legendas do campo da centro-esquerda, decidiu fechar apoio a Ciro Gomes, o que lhe garantirá um generoso tempo de televisão, muito mais que Bolsonaro e Marina.

Seu principal adversário no momento é Marina Silva, com quem divide o voto lulista. Outro adversário complicado é Haddad, que os petistas tentarão emplacar a todo custo como “poste” de Lula, não se importando muito, aparentemente, com os riscos da operação.

Ciro e Haddad terão de ensaiar uma dança sutil, inteligente, civilizada, que não implique em autodestruição mútua, até porque terão que se apoiar um ao outro no segundo turno – e num eventual governo.

Mas o maior perigo para Ciro Gomes é a abstenção eleitoral: caso seja ele o principal herdeiro do voto dos mais humildes, sofrerá os mesmos problemas, de ter um eleitor com poucos recursos financeiros e que mora longe.

Chegar ao segundo turno, num cenário sem Lula, não será fácil para nenhum candidato progressista. Qualquer analista simpático à esquerda que descreva um cenário róseo para o nosso campo, sem alertar para os riscos e dificuldades, não estará sendo honesto.

Ciro terá de atravessar um caminho espinhoso, marcado por uma conjuntura marcada pela ascensão tanto do fascismo quanto de um conservadorismo típico de república de bananas: neoliberal, antipovo e antinacional.  Vamos torcer para que os diferentes campos da esquerda entendam o que está em jogo: não é mais, definitivamente, um conflito de hegemonia partidária, mas a necessidade de vencer o golpe.

Diante disso, não importa, de fato, se o vencedor seja Haddad, Ciro, Manuela e Boulos, e sim que não seja Alckmin, Bolsonaro e Marina. É assim que devemos pensar.

O candidato do PDT terá de superar, de um lado, as intrigas de uma esquerda machucada, hipersensível, traumatizada com os sucessivos golpes que lhe foram perpetrados, e que uma conjuntura dramática deixou à mercê de ideias radicais, messiânicas, despolitizadas; e, de outro, enfrentar  o mais formidável, poderoso e coeso conjunto de forças conservadoras que a história nacional já produziu.

MIGUEL DO ROSÁRIO

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