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O resultado da política de Bolsonaro em relação ao Coronavírus: ‘as pessoas dizem com orgulho que não se cuidam

Ceasa de Irajá - Rio de Janeiro

Na segunda maior central de abastecimento da América Latina, a unidade Grande Rio da Ceasa, localizada no bairro Irajá, zona norte do Rio de Janeiro, circulam diariamente cerca de 50 mil comerciantes, produtores, transportadores e clientes que trabalham na distribuição e comércio de frutas, legumes e verduras.

Apesar desse potencial para se tornar um epicentro de contaminação, medidas sanitárias que serviriam para evitar transmissões da covid-19 entre os mais de 600 comerciantes, seus funcionários e outros 2,5 mil produtores cadastrados não têm sido respeitadas na unidade, gerida pelo governo do estado.

Funcionárias como Laura*, 25 anos, relatam situações frequentes de aglomerações e fiscalização precária por parte do governo estadual.

Ao Intercept, Laura contou enfrentar reações hostis diariamente de clientes que se recusam a cumprir medidas sanitárias. Em alguns casos, arrancam as máscaras e cospem para provocar e reclamar do excesso de cuidados.

Mas o risco do coronavírus está presente no bairro. Segundo o painel Rio Covid-19, Irajá tem hoje mais de 300 casos confirmados de covid-19 e 50 mortes.

Com o início da pandemia, a Ceasa tomou algumas medidas em relação ao coronavírus para conscientizar os comerciantes. Houve higienização das ruas e pavilhões. Também tornaram obrigatório disponibilizar álcool gel e sabonete líquido nas lojas, mas só alguns estabelecimentos cumpriram. Não houve fiscalização.

Na minha loja, começamos cedo a usar equipamentos de proteção individual.

Nosso empregador disponibilizou a todos os colaboradores, ainda em março. Só que passamos a ser hostilizados, tachados de idiotas, palhaços. Na época, outros lojistas, clientes e trabalhadores diziam que a covid-19 era só uma “gripezinha” e ouvi várias vezes que “homem não pega coronavírus”.

Além de usar máscaras o dia inteiro, que é algo sufocante, temos que lidar com a ignorância. Alguns cospem, tossem e espirram por provocação em cima de nós. Tentaram até remover as máscaras de meus colegas a força porque não levam a pandemia a sério.

Colocamos na loja também uma faixa de distância e começamos a pedir aos clientes “por favor, teria como ficar atrás da faixa?” Pedimos por favor, por gentileza, mas as pessoas não gostam.

Um dia, um cliente se negou a cumprir o pedido e ficou olhando para minha cara, com raiva. Chamou a medida de ‘palhaçada’ e foi pagar suas compras no caixa. Quando voltou, parou em cima da faixa, tirou a máscara que usava, apontou o dedo para mim e começou a gritar: “Você quer pegar coronavírus?

Está com medo?

Está com medo?”

Eu me afastei e o chamei de irresponsável. Colegas tiveram de intervir para ele ir embora. Fiquei muito mal e chorei muito pela situação.

Já fui xingada de tudo por pedir a clientes que cumpram as medidas sanitárias de prevenção.

Me chamaram de idiota, escrota sem graça, palhaça, que estava parecendo a tiazinha, uma médica sensual, além dos assédios, super normais de acontecer lá dentro.

Quando pedimos respeito às regras de distanciamento, eles nos olham com cara feia, até riem e deixam de levar a mercadoria por conta de um simples pedido de “por favor, mantenha a distância”.

As pessoas falam na sua cara que já tiveram sintomas de coronavírus e estão na sua frente, sem máscaras.

São pessoas que nem sequer seguem a quarentena. Dizem que só ficam em casa se estiverem morrendo.

Enquanto isso, pessoas infectadas circulam livremente. Isso nos dá uma sensação horrível. Teve dias que fui ao banheiro chorar, porque além de medo, existe essa pressão psicológica de conviver com esse assédio diário.

Um cliente nos relatou que um colega da Ceasa havia lhe dito que achava estar com coronavírus, mas que iria continuar trabalhando porque os sintomas eram leves. Esse cliente sabia que esse seu amigo estava infectado, mas continuou indo na loja dele e depois vinha na nossa.

Em nossa loja, pedíamos para ele respeitar a distância da faixa no chão, não encostar nos objetos, mas ele encostava mesmo assim, para provocar.

Na cabeça dele, estava o discurso do presidente, que era só uma “gripezinha”, que todo mundo iria pegar. Recentemente, a mulher dele foi diagnosticada como caso confirmado de coronavírus e foi internada.

Já houve mortes de pessoas que trabalham na central, confirmadas por covid-19, e o governo estadual não deve saber de nada porque não há fiscalização.

Só em uma das lojas, houve 17 afastamentos por suspeita de coronavírus e há casos confirmados de outros colegas.

Sabemos que até donos de lojas daqui na Ceasa morreram. Há também pessoas que ficaram em casa de quarentena e agora estão retornando ao trabalho sem usar máscaras.

É tudo tão medonho, mas tenho que trabalhar igual. Tenho aluguel, contas a pagar e ajudo muito a minha família. Meu pai, que trabalha em obras, está desemprego, e minha mãe é auxiliar de serviços gerais em um hospital privado. Ela também sente muito medo de pegar coronavírus, mas não tem para onde fugir. Precisa trabalhar para levar o sustento para casa.

Hoje, com a limitação da rede de ônibus, ela tem de caminhar quilômetros de madrugada sozinha, com medo de ser assaltada. Além do coronavírus, ainda teme assaltos. Sem falar nas declarações do presidente, não tem sanidade mental que aguente.

Até no prédio onde moro já morreram vizinhos por conta do coronavírus. Mesmo assim, moradores ainda ignoram a pandemia e vivem de papo.

Cumpro a quarentena, mas tenho medo de sair para trabalhar. Fico contando as horas para chegar em casa e tomar um banho, porque a sensação é que sempre estamos em perigo.

Fora Bolsonaro, você será responsabilizado.

Pedro Nakamura

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