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Os desafios de Bolsonaro e Haddad na batalha pelo voto do Nordeste

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O avanço do candidato Jair Bolsonaro (PSL) na eleição de domingo foi contido, sobretudo, pelo voto da região Nordeste, onde o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) superou o adversário em todos os 9 Estados.

O resultado, que repete o desempenho petista no Nordeste em eleições presidenciais anteriores, voltou a alimentar discursos de ódio nas redes sociais. Ao mesmo tempo, já há indicativos, das campanhas dos dois candidatos, que a região será um importante palco da disputa de votos no segundo turno.

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Para além de ideias pré-concebidas, o que explica o voto em peso do Nordeste em candidatos do PT? E como isso pode ou não mudar no segundo turno?

Primeiro, vamos aos números: dos 49 milhões de votos em Bolsonaro, 68% vieram de eleitores do Sul e Sudeste, e apenas 15% vieram do Nordeste.

Haddad, por sua vez, perdeu em todo o país, com exceção do Pará e dos oito Estados do Nordeste – de onde vieram 46% de seus votos –, embora sua votação na região tenha sido inferior à registrada por Lula e Dilma Rousseff nas eleições anteriores e de, no Ceará, ele ter sido superado por Ciro Gomes (PDT) no último domingo.

Em artigo no Observatório das Eleições, o cientista político Jairo Nicolau explica que, no início dos anos 2000, não se viam as regiões brasileiras como redutos eleitorais. Isso mudou, diz ele, com a eleição de 2006, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conquistou no primeiro turno 60% dos votos dos eleitores nordestinos – o maior percentual alcançado na história dos pleitos presidenciais por um candidato em uma determinada região.

E, desde então, “foram seis turnos de vitórias avassaladoras” petistas no Nordeste, aponta Nicolau.

Em 2010, após Dilma Rousseff vencer a eleição nos nove Estados nordestinos, ficou famoso o caso da estudante que postou no Twitter que “nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado” (dois anos mais tarde, ela seria condenada à prisão por discriminação ou preconceito, pena que foi convertida em prestação de serviço comunitário e pagamento de multa).

Neste domingo, amostras de discurso semelhante pipocaram nas redes sociais, com a retórica de que o voto dos eleitores da região é dado “sem pensar” e “só por causa do Bolsa Família, porque ninguém quer trabalhar”.

Em reação, eleitores contrários a Bolsonaro que vivem em outras áreas do país têm agradecido ao Nordeste pelo segundo turno,

Voto e política local.

Analistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o voto nordestino, embora não necessariamente ideológico, está ligado à forte importância de políticas de distribuição de renda, a exemplo do Bolsa Família, mas também de outros fatores.

“Acredito que uma parcela (do voto em Haddad) é reconhecimento pelas políticas distributivas e assistenciais, além do elemento carismático de Lula, que é forte no Brasil inteiro, mas muito mais no Nordeste”, opina Leonardo Barreto, cientista político da consultoria brasiliense Factual.

“Mas um terceiro fator é racional mesmo: se eu eleitor preciso de políticas distributivas, (é natural que) vote em quem é referência nessa questão. (…) Porque, se voltarmos no tempo, antes das políticas (sociais implementadas nos governos petistas), o que havia para essas pessoas era apenas distribuição de cesta básica. Além disso, no período Lula, o Nordeste foi a região que teve o maior crescimento.

É muito forte a utopia regressiva, de lembrar de um período quando a expectativa de vida melhorou.”

Para o cientista político baiano Jorge Antonio Alves, professor-assistente de Ciências Políticas da Universidade City de Nova York e autor de artigos estudando o voto nordestino, a política local também desempenha um papel importante.

Para além das políticas distributivas, Alves defende que um fator-chave para o PT ter transferido sua base eleitoral para o Nordeste é que o partido conseguiu, em seus anos de poder, a adesão de elites locais – ou seja, das famílias que tradicionalmente dominaram a política nordestina – a suas coalizões de governo, com a alavancagem de recursos estatais para obter legitimidade, mesmo que às vezes sacrificando questões ideológicas e programáticas.

O apoio de governadores locais, nesse contexto, acabou sendo crucial – até mesmo nestas eleições, as votações mais expressivas de Haddad vieram dos Estados que reelegeram governadores petistas em primeiro turno: a Bahia e o Piauí.

Dito isso, ele analisa o raciocínio como sendo “‘Lula está na prisão, mas trouxe coisas para o sertão que ninguém trazia, e vou premiar (com o voto) quem nos trouxe serviços’.

Esse raciocínio é um sinal de que a democracia está funcionando ou de clientelismo? É difícil dizer. Talvez um pouco dos dois. Tem um lado programático por trás, e também do voto em quem traz benefícios.”

E, agrega Alves, o mesmo raciocínio talvez possa ser replicado no outro lado da disputa: “O Jair Bolsonaro recebeu tantos votos porque o eleitor está mais bem informado, ou por que a elite pode estar se sentindo atacada e amedrontada, em um efeito irracional e ideológico? Também não sei.”

O que pode mudar no segundo turno?

Agora, como as forças em jogo podem se realinhar no segundo turno, quando o voto nordestino será fortemente disputado?

Para Sérgio Praça, professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da FGV-RJ, no que diz respeito ao Nordeste, a grande questão é para onde migrarão os votos de Ciro Gomes.

No restante do país, a tentativa de Haddad será buscar o centro, mas com o grande obstáculo de ter tido 18 milhões de votos a menos que o adversário no primeiro turno.

Barreto lembra que, mesmo tendo perdido para Haddad, Bolsonaro teve expressivos 7,5 milhões de votos no Nordeste – e pode capitalizar em cima de sua defesa de “valores familiares” e de um discurso mais duro na questão da segurança pública.

“É importante destacar que a população de baixa renda não raro é mais conservadora no campo dos valores. Por fim, o Bolsonaro cresce nas capitais por causa do problema epidêmico da violência, e o PT não tem uma agenda forte na segurança pública”, opina.

De todas as oito capitais nordestinas, Haddad só conseguiu superar Bolsonaro em três, Teresina, Salvador – onde o PT conseguiu eleger governadores já no 1º turno – e São Luis, por uma apertada margem, inferior a dois pontos percentuais.

Nas outras cinco capitais, Bolsonaro bateu Haddad conquistando expressivas votações, sendo as maiores registradas em Maceió e João Pessoa, onde o candidato do PSL beirou 50% dos votos válidos com o petista conseguindo meros 20%.

Ao mesmo tempo, para Haddad o desafio é expandir seu eleitorado para além do Nordeste e modular seu discurso para atrair o eleitor do centro-sul do país. Barreto opina, porém, que para os votantes centro-sulistas, a estratégia de mostrar-se como sucessor de Lula “acaba fragilizando Haddad”.

Na mesma linha, Alves defende que talvez o “único jeito” para Haddad seja “se desvencilhar do carisma de Lula”, que lhe rendeu tanto apoio do Nordeste, em favor de buscar o voto do centro, estratégia que, segundo analistas, talvez enfrente resistência da ala ideológica do PT.

Alianças
Ele agrega que o PT ainda dependerá em grande medida de suas alianças locais para se manter forte ou mesmo crescer no Nordeste, embora nem todas estejam garantidas – partidos fortes localmente, como o PSB, não são apoios garantidos.

Ao mesmo tempo, Alves destaca que entender o voto nordestino passa pelo mesmo processo de respeitar a pluralidade da democracia.

“E isso é justamente o mais difícil da democracia, porque acabamos atacando as pessoas, em vez de a diferença de opiniões. É preciso entender que, para o eleitor nordestino, a vida é complicada de uma determinada forma que o leva a fazer um determinado cálculo eleitoral. Assim como é fácil dizer que os eleitores do Bolsonaro são todos reacionários, quando parte deles provavelmente fez um cálculo difícil (para decidir seu voto)”, opina.

Paula Adamo Idoeta

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