Já foram feitas diversas análises da participação do presidenciável do PSL, o deputado Jair Bolsonaro, no programa Roda Viva, da TV Cultura, na ultima segunda-feira (30).
O programa alcançou recordes de audiência em sua série com presidenciáveis, tanto na televisão aberta quanto no YouTube.
Parte disso é fruto do engajamento do seu séquito, outra parte vem da chamada “torcida contrária” que queria ver o candidato sangrar (ou passar vergonha) em rede nacional.
Pode-se dizer que Bolsonaro não decepcionou nenhum dos dois segmentos. Seu discurso habitual carregado de ódio à esquerda e desrespeito a minorias estava lá, em seu habitual lugar de lugares comuns hoje banais em grupos de Whatsapp e comentários de portais e redes sociais.
O presidenciável é o amálgama disso e não desagradou seu eleitorado.
Por outro lado, ao falar de Vladimir Herzog, desancar José Gregori, negar ou relativizar a tortura na ditadura civil-militar, defender “licença para matar” para as polícias, causa ojeriza e repulsa de outra parcela da sociedade.
Foi essa mesma mídia que ajudou a inflar os protestos contra a presidenta Dilma Rousseff.
Ali, outros veículos não alinhados já denunciavam todo o caldo que incluía extremismos perigosos, saudações à ditadura e toda a agressividade que era sublimada na cobertura jornalística tradicional em nome de uma “causa maior”: alijar o grupo político que estava no governo.
O que saiu do previsto naquela altura era que o sentimento antipetista extrapolasse seus limites e se tornasse antipolítico.
Alckmin e Aécio foram hostilizados em uma das manifestações pelo impeachment na Avenida Paulista.
Um estudo feito em meio ao protesto anti-Dilma de 12 de abril de 2015, 73,2% dos entrevistados diziam não confiar em partidos.
Mesmo a legenda com maior apoio, o PSDB, tinha a confiança de apenas 11% dos manifestantes.
Estava aberto o caminho para Bolsonaro, que desde então cresceu, assegurando a vice-liderança nas sondagens.
Os entrevistadores do Roda Viva fizeram algum esforço para desconstruí-lo.
Mas é bom lembrar que o deputado não é alguém que surgiu agora.
Há anos destila ódio e preconceito na Câmara dos Deputados.
Em 2009, por exemplo, dizia que “quem busca osso é cachorro”, se referindo às buscas pelos restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia, pendurando na porta de seu gabinete uma camiseta com a mensagem: “Direitos Humanos: esterco da vagabundagem”.
Isso não causou espanto na mídia tradicional, e quase ninguém repercutiu.
Em uma das perguntas feitas a ele no Roda Viva, Bolsonaro devolveu dizendo que o jornal O Globo, em editorial, havia saudado a derrubada de João Goulart, demonstrando o apoio da mídia ao golpe de 1964.
Em resposta, um dos membros da bancada disse que diversos veículos fizeram mea culpa em relação a seus posicionamentos à época.
Mas não há registro de nenhuma retratação, por exemplo, da Folha de S.Paulo por denominar o período da ditadura civil-militar de “ditabranda”.
Isso foi dito há alguns anos, em editorial de fevereiro de 2009, e não na década de 1960…
O fato é que toda a mídia tradicional se importa muito pouco com os direitos humanos.
Com direitos sociais.
Com direitos.
Nada mais natural que tenha problemas em afrontar Bolsonaro em um debate desses.
Tome-se outro exemplo da entrevista com o candidato do PSL.
Por um meio da pergunta gravada por Frei David, da ONG Educafro, Bolsonaro é questionado a respeito do sistema de cotas. Desfila um festival de bobagens históricas e lugares-comuns sobre meritocracia.
Até observam o que disse a respeito da colonização portuguesa, mas entre os membros da bancada, onde não há nenhum negro, não se dá uma palavra sequer a respeito dos evidentes resultados do sistema de cotas no Brasil.
Simplesmente porque cotas ou desigualdade racial são pautas que não interessam aos veículos comerciais que, ou se calam a respeito ou, assim como Bolsonaro, evidenciam seu posicionamento contrário ao sistema em editoriais e na sua cobertura.
Quando questionado sobre programa de governo ou iniciativas concretas que poderia tomar como presidente, o presidenciável do PSL se confunde, como aconteceu quando se aventurou a falar de saúde pública.
Poderia ter sido confrontado, por exemplo, sobre seu posicionamento favorável à “reforma” trabalhista, aquela que iria criar empregos, mas que não só precarizou a mão de obra no país como foi incapaz de deter o aumento do desemprego.
Mas aí havia um problema: os veículos representados na bancada do Roda Viva também são favoráveis à dita reforma.
A falta de diversidade da composição da bancada reflete, na prática, a concentração da mídia brasileira.
Essencialmente comercial, anabolizada pela falta de regulação e oligopolizada, caminha em marcha unida e em diversos pontos pensa igual a Bolsonaro.
Talvez aí resida o porquê de ser tão difícil para essa mesma mídia desconstruí-lo, tarefa necessária para que o candidato do establishment, Geraldo Alckmin (PSDB), chegue ao segundo turno.
Além disso, pode ser que esse mesmos veículos precisem ainda do candidato do PSL. No vale-tudo midiático, a diferença entre civilização e barbárie é mais tênue do que se enxerga.
Glauco Faria