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Temer se vê como Luis XIV: o Estado sou eu

Michel Temer

Treze meses depois de patrocinar um golpe parlamentar em nome do mercado e do Estado mínimo, o empresariado brasileiro assiste ao nascimento de uma tirania econômica produzida no bunker onde Michel Temer faz planos de sobrevivência a qualquer custo.

Em dificuldades crescentes o Temer decidiu assumir uma postura que lembra os piores momentos da ditadura militar de 64, quando o Estado era usado para não só para perseguir adversários originais, como lideranças operárias e estudantis, mas também empresários que não se alinhavam aos planos do novo regime.

Num governo que, com a destruição da CLT,  pretende retroceder 70 anos nos direitos do trabalho, Temer acaba de assinar Medida Provisória marca um retorno ao absolutismo do século XVII, cujo herói foi Luís XIV, aquele do” Estado sou eu.” O ponto essencial: quando não havia separação entre os poderes, o público era assunto privado do Imperador e todos eram forçados a curvar-se perante a coroa, o cetro e o manto.

Na segunda-feira, dirigentes da JBS denunciaram ao Ministério Público Federal que a Caixa Econômica havia suspendido, de forma repentina, o crédito da empresa. Mesmo envolvendo um dos grandes grupos econômicos do país, o maior produtor de proteína animal do mundo, não parecia nada demais. Já  fase interina o governo Temer usava a publicidade para retaliar o jornalismo que denunciou o golpe parlamentar — uma força econômica diminuta, ainda que exercendo um papel cultural indispensável.

A novidade é que na quarta-feira Temer assinou uma medida provisória com várias iniciativas com uma finalidade clara: ganhar musculatura burocrática para intimidar o setor financeiro, próximo foco das investigações da Lava Jato.

Ao mesmo tempo em que multiplica a capacidade de punição do Estado sobre empresas da área, de  outro dificulta a confecção de acordos de delação premiada — instrumento que se tornou essencial para localizar a corrupção dentro do governo, onde não param de surgir aliados e assessores do presidente, nem é preciso recordar.

Conforme a MP, o BC pode cobrar multas de até R$ 2 bilhões — o máximo até agora era R$ 250 milhões. No caso da Comissão de Valores Mobiliários, a multa pode chegar R$ 500 milhões.

Não é a única iniciativa. Um capitulo especial envolve os acordos de leniência, que dizem às  delações. Conforme o  Valor Econômico, a Medida Provisória “apresenta critérios mais rígidos do que os vistos normalmente no Judiciário,” explica o jornal, empregando um eufemismo para dizer que se tornou mais complicado denunciar autoridades. “Além da identificação dos demais envolvidos na prática criminosa, os acordos só serão fechados se preenchidos cumulativamente uma série de requisitos, como a instituição ser a primeira a se qualificar e o BC não dispuser de provas suficientes assegurar a condenação das instituições.” Temer ainda atribui ao BC o papel de fazer justiça. Poderá fechar “temos de compromisso com pessoas e instituições investigadas” e terá poderes ampliados “para afastar administradores, auditores independentes e pessoas jurídicas que prestam serviços aos investigados.”

Num país onde o sistema financeiro é tratado a pão de ló por sucessivos governos, medidas  contra um setor que, através dos juros sempre mais altos do planeta, é alimentado cotidianamente pelo suor dos 200 milhões de brasileiros, até poderiam ser bem-vindas.

A condição é que representassem iniciativas que, seguindo a fórmula matemática do Premio Nobel Joseph Stiglitz, obrigassem o  sistema a devolver ao conjunto da sociedade —  em especial aos mais pobres — ao menos uma parcela dos recursos que são retirados do orçamento das famílias, do consumo e também dos investimentos produtivos. Não é nada disso.

A MP serve como instrumento de pressão política, dando margem a intervenções ao sabor das conveniências e interesses de Temer para enquadrar a fatia dominante do setor privado brasileiro. É uma história com péssimos antecedentes, como mostram personagens de outras conjunturas, com  biografia inteiramente e compromissos políticos diversos. Em comum, sobrevive a peruca de Luis XIV.

Descendente de uma família de empresários de São Paulo que chegava ao fundador da FIESP, o pecado mortal de Mario Wallace Simonsen foi ser um aliado de João Goulart e Leonel Brizola depois do regime de 64. Dono da Panair, empresa de aviação que era a maior da América Latina, e da TV Excelsior, num conjunto de três dezenas de empresas. Adversário político do golpe, foi perseguido e forçado a se desfazer de seus negócios

Empresário e deputado ligado ao PTB, Rubens Paiva destacou-se no Congresso como relator corajoso de CPI que denunciou o financiamento em dólares da bancada de parlamentares que conspiravam contra Jango. Após o golpe, protegeu cidadãos perseguidos, inclusive quem precisava fugir do país. Foi morto em 1971, preso e torturado num porão militar do Rio de Janeiro.

PAULO MOREIRA LEITE

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