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Um canalha à porta do planalto

Equiparar Haddad a Bolsonaro constitui um acto moral e politicamente inqualificável. Quem o faz torna-se cúmplice de Bolsonaro.

Carlos Alberto Brilhante Ustra foi um dos maiores, senão mesmo o maior torcionário, no tempo da ditadura militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.

Em 2008 foi o primeiro oficial condenado por sequestro e tortura.

Comprovadamente, maltratou física e psicologicamente centenas de pessoas e chegou ao limite de obrigar crianças a presenciarem o dilacerante espectáculo do espancamento dos respectivos progenitores.

Nunca reconheceu os seus crimes nem manifestou o mais leve arrependimento pelos seus actos desumanos.

Era um canalha. Morreu em 2015, em Brasília, na cama de um hospital.

Foi precisamente este torcionário bestial que o então deputado federal Jair Bolsonaro homenageou no momento em que votou a favor do impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

Nessa ocasião, Bolsonaro pronunciou uma declaração que o define integralmente: dedicou o seu voto à “memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.

É impossível imaginar, naquele contexto, uma afirmação mais vil, um comportamento mais indigno, uma atitude mais asquerosa. Bolsonaro revelou-se ali o que pensa e o que verdadeiramente é: um canalha em estado puro.

O que é um canalha em estado puro?

É alguém que contraria qualquer tipo de critério moral e racional e se coloca num plano comportamental pré ou anticivilizacional.

Quem elogia o torturador de uma jovem mulher absolutamente indefesa atribui-se a si próprio um estatuto praticamente sub-humano.

Bolsonaro é dessa estirpe, desse rol de gente que leva à interrogação sobre o que subsiste de humano no homem que literalmente se desumaniza.

Theodore Adorno levou essa questão até ao limite do pensável, quando formulou a sua célebre afirmação:

“escrever um poema depois de Auschwitz é um acto bárbaro e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque se tornou impossível escrever poemas”.

E, contudo, a poesia sobreviveu.

O Homem resiste ao que de desumanizador ele inscreve na história.

Isso não é razão para renunciar à denúncia da barbárie.

A barbárie tem muitas faces: é estúpida, boçal, intolerante, sectária, fanática, simplista, racista, xenófoba, homofóbica, sexista, classista, irremediavelmente preconceituosa, inevitavelmente primária.

Jair Bolsonaro é uma das aberrações perfeitas dessa barbárie em versão actual.

Tudo nele aponta para a pequenez: é um ser intelectualmente medíocre, eticamente execrável, politicamente vulgar e moralmente desclassificado.

Nele observa-se uma prodigiosa ausência de qualquer tipo de grandeza e uma assustadora presença de tudo quanto invalida um cidadão para o desempenho da mais humilde função pública.

Por isso mesmo ele é extraordinariamente perigoso eindigno: é a expressão quase exemplar do homem sem qualidades subitamente erigido a um papel de liderança.

Bolsonaro não é Hitler, não é Mussolini, não é sequer Franco.

Em bom rigor, se quisermos ater-nos a um debate intelectual de natureza escolástica, ele não é bem a representação do fascismo.

Há nele, contudo, na dimensão medíocre que a sua pobre personalidade proporciona, tudo aquilo de que a tradição fascista historicamente se alimentou.

O anti-iluminismo, a exaltação sumária da unicidade nacional, a apologia da violência, o culto irracional do grande chefe.

Bolsonaro é pouco mais do que um analfabeto ideológico com todos os perigos que isso mesmo encerra.

Ele e seus assemelhados significam hoje o maior perigo com que se depara o mundo ocidental.

Alguns analistas políticos, uns por ignorância, outros por má-fé, tentam convencer-nos que os brasileiros terão de escolher nas eleições presidenciais entre a cólera e a peste.

Isso não corresponde minimamente à verdade.

Equiparar Haddad a Bolsonaro constitui um acto moral e politicamente inqualificável.

Quem o faz torna-se cúmplice de Bolsonaro, da sua vertigem proto-fascista, da sua propensão para o culto da violência.

É por isso que não pode haver hesitações neste momento da história do Brasil e, de uma certa maneira, da própria história da Humanidade.

Haddad é um intelectual sofisticado, um democrata respeitador dos princípios fundamentais das sociedades abertas e pluralistas, um homem de reconhecida integridade cívica e moral.

Francisco Assis deputado do Parlamento Europeu

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