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Vivemos no Brasil um ‘Estado Islâmico’? A culpa não é das estrelas

Bolsonaro práticas práticas antiéticas, persuasivas, genocidas e agressivas.

Não é o romance de John Green, A culpa é das Estrelas, nem o último capítulo de uma história contada no tempo de um diagnóstico fatal. É conversar com as estrelas para escutar sobre como recuperar pedaços de um paciente, o Brasil, resgatando os destroços do que o governo Jair Bolsonaro conseguiu espalhar e que vão se reagrupando em células de riscos objetivos que se agravam e compõem a conjuntura de crises decorrentes da política obscurantista e genocida que o “presidente e sua trupe” conseguiram implantar no país.

É a perspectiva de afastar prognósticos sombrios que fazem desabar a credibilidade e o respeito do mundo a um Brasil brutalmente despedaçado no momento histórico em que construía horizontes claros de esperança para as gerações futuras.

Qual o tamanho da “culpa” de Jair Bolsonaro nesse processo devastador de nossa ordem política?

Caberia partilhar com outros poderes o encargo com as cirurgias catastróficas do governo federal no Estado Democrático de Direito?

Um “Estado Islâmico” (EI) latino-americano. Heresia?

Cumplicidade com o Terrorismo?

Não se trata disso, mas de pensar o Brasil com o olhar de Loretta Napoleoni, colunista internacional, doutora em Terrorismo e presidente do grupo de financiamento de ações antiterroristas do Clube de Madri.

Em sua obra, A Fênix Islamista: o Estado Islâmico e a Reconfiguração do Oriente Médio, a autora surpreende com uma narrativa descolada das traduções midiáticas ocidentais sobre o Estado Islâmico, denunciando a insensatez do imperialismo e anunciando a reconfiguração do Mapa do Oriente Médio, pela primeira vez “desde a Primeira Guerra Mundial” executada por uma organização armada cuja bandeira preta e amarela “tremula sobre um território maior do que o do Reino Unido ou do Texas”.

Loretta Napoleoni traduz que o “verniz religioso e as estratégias terroristas” do EI mascaram uma “máquina político-militar” disposta a criar um Estado nacional, consensualizado e com a coparticipação dos territórios conquistados. Com ações “protecionistas”, exerce o domínio das redes sociais que facilitam a veiculação de imagens e notícias sensacionalistas facilmente visualizadas por telefones celulares que mobilizam a “imaginação coletiva”, permitem a propagação do medo e a criação de falsos “mitos” para a conversão e recrutamento de sujeitos para suas metas.

Alguns elementos desse repertório digno do Estado Islâmico parecem identificados com o atual “modelo de Estado” do Brasil, que fratura a República Federativa, promovendo, com as desastrosas políticas de seletividade regional inspiradas no ódio, no medo, na discriminação, a reconfiguração territorial, política, econômica, social e humana do Estado Brasileiro, aprofundando o fosso de desigualdades.

Em especial quanto ao Nordeste, que Jair Bolsonaro insulta desde a campanha, impunemente. Desse modo, o atual governo impõe sua “máquina política-militarizada”, preenche espaços públicos estratégicos com quadros das Forças Armadas, da ativa e da reserva, que se expressam quando querem, com linguagem intimidatória, sem qualquer controle institucional ou da sociedade.

Durante a campanha de 2018, diante de um Sistema de Justiça que oscilava na penumbra entre o ativismo político-ideológico e a omissão, dos gritos de resistência de uma parcela da sociedade encurralada por uma propaganda desleal contra partidos e políticos “de esquerda”, avidamente amplificada pela mídia hegemônica, Jair Bolsonaro ludibriou a disputa.

Conseguiu escapar dos debates, escolheu, sem qualquer obstáculo das instituições guardiãs da Constituição Federal, o recurso da apropriação das redes sociais para infectar o processo eleitoral, vociferar promessas de cunho moral, de combate à corrupção, conquistando o apoio de seu contingente constituído de sujeitos pertencentes ao capital especulativo nacional e estrangeiro, classes favorecidas, lideranças religiosas, população distanciada de conceitos de “politicamente correto”, “empoderada” por potentes equipamentos eletrônicos.

Jair Bolsonaro venceu as eleições usando a tecnologia nas práticas antiéticas, persuasivas e agressivas com as quais recruta sujeitos individuais e coletivos que desafiam a ordem democrática, ressuscitam discursos/práticas nazistas e aplaudem as condutas desnutridas do mais rudimentar protocolo de procedimento exigido de quem ocupa o mais alto cargo do pais, ainda que eleito surrupiando a soberania popular, legitimado pelo titubeante e dúbio Sistema de Justiça.

É quase unanimidade entre os Juristas que Jair Bolsonaro pode ter infringido dispositivos que foram objeto de denuncias de seu ex-juiz/Ministro Sergio Moro, um dos protagonistas que contribuiu para sua eleição. No elenco estão crimes contra a administração pública (Lei 1.079/1050), Falsidade ideológica (art. 299 do CP)

A pandemia ressaltou a ausência de comando político, a dimensão do desrespeito do presidente e de toda sua gestão com a saúde e a vida da população, quando contrariou orientações e procedimentos adotados por governantes do mundo inteiro no enfrentamento da covid19, a partir de evidências cientificas demonstradas por especialistas.

Esse modo “genocida” de agir instigou ações de múltiplos setores, como a Noticia Crime de Partidos de oposição (PDT, PT, PSOL, PCdoB, PSB e Rede) atribuindo ao presidente o suposto cometimento dos crimes tipificados no CP, nos artigos 132, (expor a vida ou a saúde das pessoas a perigo direto e iminente); art. 268, (infringir medida sanitária preventiva); art. 286, (incitação ao crime) e art. 319, (prevaricação).

Mas é certo que sozinho não teria sucesso nas intervenções que dramatizam o país. Como o EI, usa o aparato político-militar para tentar construir um novo modelo de Estado, rompendo o que o Pacto Constituinte edificou em 1988. Para isso, conquistou territórios historicamente pactuados com as elites, com o coronelismo, a manutenção do poder.

Se aqui não cabe discutir a Teoria da coculpabilidade, não pode ser negada a conduta do Sistema de Justiça, em especial, Poder Judiciário e Ministério Público, quedado em silêncio (consenso) ou em pleno ativismo ideológico (coparticipação) diante dos indicadores de ruptura com princípios e as garantias que teriam por dever constitucional preservar.

A inabilidade política, intelectual e humana de Jair Bolsonaro pulsa em cada aparição pública de sua figura. Se alcançou o patamar do Planalto, se “destronou” as instituições republicanas, sepultou marcos civilizatórios e tripudiou sobre o Estado Democrático de Direito é porque criou um ambiente de poder consensuado e com a coparticipação dos “territórios conquistados” no Sistema de Justiça, Parlamento e capital especulativo.

Cabe às forças populares o despertar para a reconquista desse território, dessa bandeira e desse país. Os fatos precisam de ouvidos, mas não basta ouvir estrelas, é preciso entender o que dizem. “Ignorar esses fatos é mais do que adotar uma atitude ilusória e superficial – é perigoso”. (Loretta Napoleoni)

Marilia Lomanto Veloso

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