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Alemães tornaram a camisinha vegana em um negócio multimilionário.

Maioria das camisinhas, como essas acima, usa proteína animal para suavizar látex. Foto: GETTY IMAGES

Em 2015, Philip Siefer e Waldemar Zeiler estavam no meio do processo de financiamento coletivo de seu novo negócio quando descobriram algo inusitado sobre ele. “O tempo todo, escutávamos a mesma pergunta por parte de doadores: ‘as camisinhas são veganas?'”, conta Siefer. “Até então, não havíamos percebido que camisinhas (tradicionais) costumam ter uma proteína animal para deixar o látex mais macio.”

Os empreendedores alemães estavam tentando abocanhar uma fatia do mercado global de camisinhas – que vale US$ 8 bilhões – com um produto ecológico. Para sua surpresa, esse grupo é bastante amplo: passados quatro anos desde o lançamento da marca, sua linha de produtos de higiene sustentáveis e veganos tem receita anual de cerca de 5 milhões de euros (quase R$ 23 milhões).

O nome da sua empresa, Einhorn, significa unicórnio em alemão – termo também usado para descrever empresas (gigantes como Airbnb e Uber) que alcançam US$ 1 bilhão em valor de mercado, cifra da qual Siefer e Zeiler ainda estão distantes. Ao mesmo tempo, tiveram sucesso em incluir a sustentabilidade na essência de seu negócio, e não apenas por ser algo popular com os clientes.

Sem componentes animais

Foi durante uma compra de camisinhas com sua namorada que Siefer se deu conta de como as marcas lhe pareciam datadas – e daí veio a ideia de que consumidores atuais poderiam preferir uma alternativa mais ecológica. Com Zeiler, apostou que o produto seria ideal para comércio virtual. A dupla queria criar um negócio que fosse justo e sustentável, não apenas para o planeta, mas também para os funcionários.

Camisinha com lubrificante a base de plantas
Einhorn é uma das marcas que têm usado lubrificante à base de plantas. Foto: WWW.EINHORN.MY

Nessa época, tendo passado uma década no mundo das start-ups, Siefer e Zeiler estavam buscando uma forma de escapar do sonho capitalista. “Depois de dez anos como empreendedor, eu via colegas e amigos ao meu redor ganhando seus milhões, mas mesmo assim sendo infelizes”, diz Siefer.

Para começar, eles lançaram uma campanha de financiamento coletivo que levantou 100 mil euros (R$ 460 mil), e foi nesse ponto que o veganismo se tornou parte do planejamento de produtos da Einhorn.

“Queríamos criar um produto que fosse fácil de vender e despachar online, e sem que tivéssemos de lidar com devoluções, que são uma das maiores fontes de custos de negócios online”, diz Siefer. “Camisinhas eram, então, o produto perfeito. Nem havíamos pensado se elas seriam ou não veganas.”

Embora o tempo em que preservativos eram feitos do intestino de cordeiros tenha acabado faz tempo, a maioria das opções atuais de camisinha ainda contém a proteína animal caseína, encontrada no leite de mamíferos. A matéria-prima principal é o látex – seiva extraída de árvores (seringueiras) cultivadas principalmente na Ásia e suavizada pela adição da caseína.

A Einhorn trocou a caseína por um lubrificante natural feito de plantas, além de adquirir látex que seja extraído do modo mais ecológico possível.

Vale destacar que a empresa não é a primeira a fazer isso: a marca americana Glyde lançou a camisinha vegana ainda em 2013 e foi seguida por diversas alternativas sustentáveis que começaram a aparecer em prateleiras.

Philip Siefer e Waldemar Zeiler
Philip Siefer e Waldemar Zeiler pretendem se desfazer das ações da própria empresa, como forma de preservar os valores de sua fundação. Foto: ROBERT WUNSCHN

Extração sustentável

No que diz respeito à extração do látex, a história mostra que a expansão veloz de monoculturas da borracha em larga escala resultaram em desmatamento e na destruição de habitats naturais. Para evitar isso, a Einhorn distanciou-se de monoculturas tradicionais e passou a comprar de pequenos produtores na Tailândia.

Esses produtores evitam o uso de pesticida, e o objetivo é chegar a um plantio totalmente livre de químicos.

A produção também é acompanhada pela equipe da Einhorn durante ao menos três meses por ano, para evitar que trabalhadores braçais sejam submetidos a más condições de trabalho, o que já foi documentado em seringais. Os agricultores recebem 15% acima do salário mínimo.

Por enquanto, porém, a empresa ainda não conseguiu desenvolver uma embalagem livre de alumínio, embora o papel usado já seja reciclado.

Na expectativa de que valores de sustentabilidade sejam expandidos a outros negócios, Zeiler e Siefer assinaram uma espécie de manifesto ao fundar a Einhorn, que obriga a empresa a investir 50% de seus lucros em projetos sustentáveis – por exemplo, em projetos de compensação à emissão de CO2 e em uma fundação de promoção ao algodão orgânico.

Esse manifesto, assinado por cerca de 100 empreendedores no total, acabou ajudando a Einhorn a expandir seus mercados – a empresa conseguiu, por exemplo, fornecer para a varejista alemã DM, gigante local no mercado de produtos de casa e higiene.

“Quando mostramos nossos preços de compra e varejo, eles não ficaram convencidos”, diz Siefer. A empresa vende um pacote de sete de suas camisinhas no varejo a 6 euros (R$ 27,5), sendo que gigantes da indústria vendem um pacote com 8 por cerca de 5 euros (R$ 23). “Mas explicamos que vamos reinvestir 50% de nossos lucros. ‘Então cada centavo que você (varejista) tirar de nós agora (nos forçando a baixar nosso preço) você estará tirando de uma boa causa’.”

Empreendedor Philip Siefer
Depois de dez anos como empreendedor, eu via colegas e amigos ao meu redor ganhando seus milhões, mas mesmo assim sendo infelizes”, diz Philip Siefer. Foto: KATE BRADY

A DM assentiu e ofereceu a Einhorn uma plataforma no mercado alemão de grande escala. Sebastian Bayer, diretor de marketing da DM, diz que os consumidores locais estão cada vez mais preocupados com a sustentabilidade, “então queremos oferecer-lhes produtos alternativos sustentáveis”.

Os alemães gastaram 60 bilhões de euros (R$ 275 bilhões) em produtos sustentáveis em 2016, e a tendência é de que esse número esteja aumentando.

No entanto, é preciso colocar isso em uma perspectiva global, aponta Anna Sundermann, pesquisadora ambiental na Universidade Leuphana na cidade alemã de Lüneburg. Embora produtos como os da Einhorn sejam bem-vindos, seu efeito potencial de longo prazo no planeta é limitado. “Esses pequenos produtos de nicho são bons, mas precisamos mesmo é focar em áreas como mobilidade e energia, que têm o maior impacto na emissão de CO2”, diz ela. “Redes de empresas como a Einhorn podem fazer a diferença ao lidar com problemas sistêmicos, como criar uma rede sustentável na cadeia de suprimentos.”

Novas iniciativas

De qualquer modo, a Einhorn vendeu no ano passado mais de 4,5 milhões de unidades de camisinhas. Também lançou produtos de higiene feminina feitos de algodão orgânico. “Ainda temos de nos beliscar para perceber que (o negócio) ainda está forte”, diz Siefer.

A empresa agora quer levar seu conceito de justiça e sustentabilidade à política alemã. Em um evento para 60 mil pessoas no estádio olímpico de Berlim em 2020, a ideia é criar petições que sejam levadas ao Parlamento alemão em temas como políticas climáticas e igualdade de gênero.

Além disso, Siefer e Zeiler pretendem abrir mão de sua própria fatia da Einhorn: ao final deste ano, eles doarão suas ações da empresa para a própria empresa. Isso significa que essas ações nunca poderão ser vendidas, de forma a preservar os valores sustentáveis de sua fundação, econômica, ambiental e socialmente.

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