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Mais uma vez o Covid pode ser uma ameaça global sem o avanço da Vacinação

Só a vacinação impedirá uma quarta onda de covid

A população mundial com a imunização completa contra Covid-19 alcançou os 40% estabelecidos como meta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para 2021.

Os dados da plataforma Our World in Data, vinculada à Universidade de Oxford, poderiam indicar uma boa notícia, caso a distribuição dessas doses não fosse tão desigual.

Enquanto países de economia mais avançada, como a grande maioria dos que compõem a União Europeia (UE), já ultrapassaram a marca dos 70% vacinados, entre os países de baixa renda apenas 3,1% receberam pelo menos uma dose, de acordo com a mesma fonte.

Entre eles estão Haiti, com apena 0,25% da população com vacinação completa, República Democrática do Congo, com 0,4%, e Etiópia, com 0,92%.

Vale notar que a disponibilidade de vacinas com produção interna também não garantiu a imunização da população em países como Rússia (35%) e Estados Unidos (57%): enquanto algumas populações se recusam a se vacinar, outras não têm imunizantes nem para os profissionais de saúde.

Em pronunciamento realizado em 21 de outubro deste ano, o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou que 80% dos profissionais de saúde estão totalmente vacinados nos países ricos, mas essa taxa cai a 10% nas nações africanas.

O dado reforça as recomendações de um relatório da Organização divulgado em 20 de setembro, que chama a atenção para a necessidade de vacinação desses profissionais ao redor do mundo. O documento ressalta a subnotificação dessas mortes em algumas regiões, já que nenhum óbito de trabalhadores de saúde no continente africano, por exemplo, foi reportado à OMS. Mas, ao realizar o cruzamento de dados com outras fontes, a estimativa da entidade é de que a Covid-19 tenha matado entre 834 e 3325 profissionais na África. No mundo, essa variação vai de 80 mil a 180 mil.

O principal mecanismo global criado para a distribuição equitativa das vacinas foi o sistema Covax Facility, um fundo para compra, recebimento de doações e distribuição de vacinas pelos países. O Covax é coordenado pela OMS, Cepi (organização lançada em Davos, que reúne instituições públicas, privadas e filantrópicas), Gavi (organização criada pela Fundação Bill e Melinda Gates)  e a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência) e integrado por  governos, organizações globais de saúde, fabricantes de vacinas, cientistas, outras empresas privadas, entidades da sociedade civil e filantrópicas.

A estratégia, no entanto, não funcionou conforme o esperado. No mesmo discurso de 21 de outubro, Ghebreyesus cobrou o cumprimento das promessas de doações feitas por diversos chefes de Estado e um planejamento mais detalhado sobre prazo e quantidade das remessas. “Os países do G20 se comprometeram a doar mais de 1,2 bilhões de doses ao Covax.

No entanto, apenas 150 milhões foram entregues. Para a maioria das doações, não temos uma escala. Os fabricantes não nos comunicaram quanto o Covax vai receber ou quando as remessas chegarão”, declarou.

Segundo cálculos divulgados em relatório no começo de outubro pela Médico Sem Fronteiras (MSF), há 870 milhões de doses sem uso nos dez países mais ricos. Nesse documento, a MSF critica a forma como foi criado o Covax, que segundo a organização, tem uma governança questionável.

Estudo produzido pela Unidade de Inteligência do grupo The Economist, também responsável pela revista inglesa de mesmo nome, indica que a vacinação dos países mais pobres ganhará força somente em 2023, sem previsão para que se conclua.

Dentre as nações de renda média, Rússia, China e Índia saem na frente por terem produções próprias de vacinas, embora nos dois últimos casos, o tamanho de suas populações deve estender a imunização ao longo de 2022.

Já para Brasil e México, o relatório indica que a abertura para realizar testes clínicos e firmar parcerias de transferência de tecnologia favorece uma vacinação acelerada em relação aos demais países de renda média e baixa, que ficarão dependentes do funcionamento das doações do sistema Covax.

Os países de renda média que receberam destaque pelo estudo da The Economist, ao lado da África do Sul, formam o grupo dos Brics – formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. É para este grupo que o diretor do Centro de Relações Internacionais (Cris) da Fiocruz, Paulo Buss, tem direcionado críticas por considerar que esses países poderiam ser ‘o fiel da balança’ em prol de uma distribuição mais igualitária de vacinas.

A defesa global, a segurança das pessoas no plano global, depende de uma distribuição equitativa das vacinas. E nós esperamos que os países levem a sério as declarações que fizeram, e que nos próximos meses nós tenhamos a realização desses compromissos na prática concreta da solidariedade política e técnica internacional”, avalia.

Para a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Cristiana Toscano, não há saída da pandemia sem a vacinação massiva em todos os países.

“O vírus não tem fronteiras. Isso a gente já sabe de pandemias passadas, mesmo em 1918, mais de um século atrás, quando não tinha esse volume de troca, comércio e viagem internacional, com essa facilidade e rapidez que a gente tem hoje.

O vírus vai continuar a circular intensamente e essas novas variantes mais cedo ou mais tarde vão chegar a todos os lugares do mundo.

Foi o caso da variante originada no Brasil, que era P1 e agora é denominada Gamma, da variante originada na África do Sul, da variante originada na Colômbia, no Peru e todas outras”, enfatiza Toscano.

A professora é representante da América Latina no Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação (Sage, na sigla em inglês) da OMS em seu Grupo de Trabalho de Vacinas para Covid-19, responsável por orientar programas de imunização pelo mundo e avaliar os testes conduzidos.

A pesquisadora também chama a atenção para o fato de que não podemos nos ater ao número de casos registrados para ter uma dimensão da pandemia.

Para além da situação de subnotificação nos países mais pobres e problemas para detecção da doença, o número de casos pode ser superior inclusive nos países mais desenvolvidos.

“Vários estudos recentes têm demonstrado que muito do que a gente chama de ‘carga da doença’ não está notificado no sistema oficial. Porque chega ao hospital já como complicação e você não tem o critério diagnóstico laboratorial do que aconteceu lá atrás para confirmar que aquela morte foi por Covid-19. Então, a gente ainda vai aprender muito sobre o real impacto da pandemia nos próximos meses e anos”, avalia.

Na visão de Reinaldo Guimarães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o caminho diante de uma crise de abastecimento de itens para a produção das vacinas é internalizar totalmente a produção para países capazes de fazer isso, como ele acredita ser o caso do Brasil.

Ele avalia  que a pressão sobre os países não terá efeito na contenção  do desequilíbrio da distribuição de vacinas, porque, ainda que haja vontade dos presidentes, a capacidade de gerenciamento sobre essas grandes empresas que integram mercados de capitais é pequena.

O pessimismo do pesquisador continua mesmo diante do investimento público em inúmeras pesquisas iniciais para o desenvolvimento das vacinas, ministrado em conjunto com as universidades, já que, como ele destaca, a contrapartida dessas parcerias e distribuição de royalties das descobertas já estão previstas em contrato.

“Esse oligopólio [de fabricantes de vacinas] está todo situado em países que detêm o poder no mundo. Então, isso é o que explica toda a série de desumanidades que a gente tem visto desde o início dessa pandemia quando, por exemplo, a OMS construiu uma proposta de distribuição mais equânime das vacinas, que pudesse não deixar de lado os países pobres, e a reação dos países centrais, principalmente os Estados Unidos, mas também até certo ponto de alguns países europeus, foi simplesmente ignorar”, lamenta.

BF

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