Um um canto do laboratório do Centro Bernstein para Neurociência Computacional, no prédio seis do campus da Universidade Humboldt, em Berlim, o neurocientista Shimpei Ishiyama dedica parte de seu tempo a fazer cócegas em ratos. Nesta rotina pouco ortodoxa, o riso dos roedores fornece ao pesquisador informações importantes sobre as emoções positivas no cérebro.
“As emoções positivas são menosprezadas na neurociência porque os cientistas são obcecados por coisas negativas”, explica Ishiyama.
Estudar emoções positivas, ele defende, é importante porque desejamos tê-las em nossas vidas. Cientificamente, esse também pode ser o caminho para entender melhor as emoções negativas e as doenças a elas associadas.
“Os cientistas trabalham muito em relação ao mau humor associado à depressão, mas não sabem tanto sobre os mecanismos cerebrais da felicidade ou do riso, que faltam na depressão. Estudar os mecanismos cerebrais das emoções positivas pode eventualmente nos ajudar a entender como elas são suprimidas, ou como obter a felicidade na depressão”, argumenta o neurocientista.
Um debate antigo
Em “Das Partes dos Animais”, escrito por volta de 350 antes de Cristo, o filósofo Aristóteles afirmou que as cócegas “perturbam a ação mental ao ocasionarem movimentos independentes de vontade”. O sábio grego relacionou o fenômeno à “sensibilidade” da pele humana.
Alguns milênios depois, o biólogo evolucionista Charles Darwin e o fisiologista Ewald Hecker defenderam a existência de uma conexão entre humor e cócegas, uma vez que muitas pessoas riem ao serem estimuladas desta forma.
Ishiyama marcou sua contribuição na área com a modernidade já a seu favor. Com equipamentos para medir a atividade cerebral de ratos, ele pôde avançar em pesquisas iniciadas na década de 1990, à época limitadas pela ausência de tecnologia adequada. Seu estudo acabou identificando a parte do cérebro dos roedores responsável pela sensação de cócegas e conseguiu desencadear “risadas” nos ratos apenas com estímulos elétricos, sem tocá-los.
O riso dos ratos estudados possui uma frequência tão alta que o ouvido humano sequer é capaz de escutá-lo. Suas vocalizações ultrassônicas ultrapassaram a frequência de 50kHz, enquanto a nossa audição percebe sons de até 20kHz.
Esses ruídos indicam uma resposta emocional positiva às cócegas (“formas primitivas de alegria”, em termos técnicos). Ou seja, há indícios de que os ratos gostam de sentir cócegas. “Eles também vocalizam quando recebem alimentos, água com açúcar ou quando interagem com amigos ratos”, explica Ishiyama.
Essa vontade de receber cócegas pode estar associada à liberação de dopamina no cérebro dos ratos, o que os influencia a acionar o botão. “As pessoas costumam dizer que a dopamina é um composto químico de prazer, mas na verdade é mais próximo da motivação ou do vício”, explica o neurocientista. “Se você está viciado em checar o Facebook, isso não é, em si, algo divertido. É só uma repetição”, diz.
A diversão e o prazer estão mais relacionadas à produção de opióides naturais no cérebro, mas ainda não há confirmação se esses compostos são liberados durante as cócegas.
“Logo, não sabemos se os ratos sentem prazer [ao receberem cócegas], mas a vocalização deles indica uma emoção positiva”, afirma Ishiyama.
Ainda assim, o interesse deles no estímulo não é infinito. Após 30 minutos de cócegas, eles costumam parar de apertar botão, o que sugere uma correlação entre as risadas provocadas por cócegas e o humor dos roedores.
Nem todas as cócegas são iguais
Ishiyama estuda um tipo de cócegas chamado “gargalesis”, aquele que induz o riso ao estimular algumas partes do corpo como as axilas. Ele é diferente da categoria “knismesis”, cujas reações são estimuladas por um leve toque na pele e não costumam provocar risadas. O primeiro tipo é bem mais misterioso. “Ele pode ser visto apenas em um grupo limitado de animais altamente sociáveis como macacos, ratos e humanos”, afirma o neurocientista.
A principal descoberta do estudo foi identificar o córtex somatossensorial (a maior representação neural tátil dos mamíferos) como a parte do cérebro responsável pela sensação de cócegas. Os cientistas envolvidos na pesquisa também concluíram que aquela região pode estar mais relacionada ao processamento de emoções do que se pensava.
No caso das cócegas, o córtex somatossensorial processa informações enviadas pela pele. Aquela área do cérebro é como um mapa de todas as regiões do corpo. “Cada um dos pontos representa uma parte do corpo”, diz Ishiyama. “Os neurônios de um círculo específico reagem [ao estímulo nas regiões equivalentes do corpo]”, ele completa.
Os ratos são mais sensíveis às cócegas no tronco, conforme comprovaram as gravações da atividade de seus neurônios quando estimulados naquela área. Outro aspecto revelador foi que quando os ratos brincavam de perseguir a mão do pesquisador, essa atividade neural também foi registrada na mesma região, ainda que o rato não estivesse sendo tocado.
“Imagine que alguém esteja perto de fazer cócegas em você e comece a mover os dedos bem na sua frente. Você já poderia sentir cócegas só com a expectativa. Imagino que algo similar esteja acontecendo com ratos.”
Há diversas teorias sobre o porquê de alguns animais fazerem cócegas uns nos outros. Uma das mais aceitas é que essa é uma preparação para atividades de combate. Animais jovens brincam entre si em uma espécie de treino. As cócegas não os machucam, mas ajudariam a quem as experimenta a proteger áreas sensíveis de um eventual ataque.
Apesar de ser uma sensação comum aos humanos, ainda há muito a aprender sobre as cócegas.
“Há dois milênios, Aristóteles já se perguntava sobre isso, mas ninguém ainda sabe o que acontece no cérebro quando sentimos cócegas”, diz Ishiyama.
Por BBC