Quem já teve um familiar ou amigo próximos internados em uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) sabe que, em geral, as visitas são restritas a cerca de duas horas diárias, às vezes fracionadas em duas visitas.
Lidar com a doença, os riscos, as dúvidas sobre o que se passa na UTI e o pouco tempo de convívio traz impactos também sobre a saúde de quem não está doente.
Um estudo então resolveu testar os efeitos da ampliação do tempo de visita dos familiares para 12 horas por dia. Resultado: a mudança reduziu em 50% os sintomas de ansiedade e depressão que os parentes desenvolvem no período em que alguém da família está na UTI sem aumentar o risco de infecções para os pacientes.
“É tão efetivo quanto um antidepressivo, mas sem os efeitos adversos. Sabe-se que aproximadamente a metade dos familiares desenvolve níveis patológicos de depressão. Ter uma estratégia para reduzi-los é muito importante”, explica o médico pesquisador Regis Goulart Rosa, que coordenou a pesquisa UTI Visitas, publicada na edição mais recente do Jornal da Associação Americana de Medicina (Jama).
O estudo foi conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS) do Ministério da Saúde, e realizado em 36 UTIs de hospitais públicos e filantrópicos do Brasil.
Em São Paulo, o estudo foi feito no HCor (Hospital do Coração) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. No total, 1.685 pacientes e 1.295 familiares participaram do estudo.
“É uma mudança de baixo custo porque se trata de um procedimento organizacional. Só é necessário disponibilizar uma cadeira para que os acompanhantes fiquem ao lado dos pacientes por mais tempo”, diz Rosa.
O tempo reduzido de permanência na UTI é uma prática comum por causa da ideia de que o contato com mais pessoas por mais horas resultam em maior risco de infecções aos internados e maior estresse para as equipes médicas.
“Desde o princípio, na década de 1950, a UTI se caracterizou como um ambiente complexo, com necessidade de maquinário e organização para cuidar de pacientes muito graves. A UTI nasceu como um ambiente restritivo. Acreditava-se que visitas poderiam trazer riscos aos pacientes, como infecções, e que a presença dos familiares poderia causar estresse nos profissionais, que teriam que lidar com mais gente”, explica o pesquisador.
O estudo, porém, desmente o risco ampliado de infecções e conseguiu minimizar a possível sobrecarga dos profissionais educando os familiares sobre o funcionamento de uma UTI. Antes de receber autorização para passar 12 horas por dia no espaço, os acompanhantes receberam instruções.
Nesse treinamento, os parentes aprenderam sobre o que faz cada profissional, como enfermeiros intensivistas, médicos e técnicos de enfermagem. Os familiares também foram ensinados sobre como funciona um monitoramento de funções vitais (pressão, glicemia, diurese), higiene e alimentação.
O estudo avaliou também se a presença prolongada dos visitantes poderia diminuir a confusão mental dos pacientes, mas os resultados mostraram não houve diferença.
“Os resultados robustos mostram que a permanência maior de visitantes não aumentou o risco de infecção nem o ‘burnout’ dos profissionais. Também não impactou em mortalidade ou em mais tempo de UTI nem gerou percepção de desorganização dos cuidados”, diz Rosa.
Para o médico, o estudo confirma cientificamente o que era intuitivo para quem trabalha na área da saúde. “Conheço poucos seres humanos que não queiram ter alguém querido ao lado em um momento de doença grave”, diz.
COMO FOI O ESTUDO
1.685 pacientes internados em UTIs participaram do estudo
837 pacientes com visitação flexível de 12 horas por dia 848 pacientes visitação restrita com média de 1,5 hora por dia Gênero:
890 homens
795 mulheres
Idade média: 58,5 anos
RESULTADOS
Diminuição de 50% de sintomas de depressão e ansiedade nos familiares que fizeram visitação flexível de 12 horas por dia
Sem risco de infecção ou aumento de mortalidade dos pacientes
Sem aumento do estresse da equipe de profissionais
Sem alteração para casos de confusão mental nos pacientes
HOSPITAIS PARTICIPANTES (36 UTIs públicas e filantrópicas do país)
Hospital de Urgências de Goiânia (GO)
Hospital Geral de Nova Iguaçu (RJ)
Hospital Santa Cruz (RS)
Hospital Montenegro (RS)
Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS)
Hospital Ana Nery (RS)
Hospital Tacchini (RS)
Hospitais do Complexo Hospitalar da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (RS): Pavilhão Pereira Filho, Santa Rita, Dom Vicente Scherer (RS)
Hospital Mãe de Deus (RS)
Fundação de Saúde Pública São Camilo de Esteio (RS)
Hospital Nossa Senhora da Conceição (RS)
Hospital da Cidade de Passo Fundo (RS)
Hospital Universitário do Oeste do Paraná (PR)
Hospital do Câncer de Cascavel UOPECCAN (PR)
Hospital Dona Helena (SC)
Hospital das Clínicas da UFMG (MG)
Santa Casa de Misericórdia de São João Del Rei (MG)
Hospital Regional do Baixo Amazonas (PA)
Hospital Geral Cleriston Andrade (BA)
Instituto Nobre de Cardiologia Incardio (BA)
Hospital Universitário Alcides Carneiro UFCG (PB)
Hospital Alberto Urquiza Wanderley (PB)
Hospital Universitário Lauro Wanderlei UFPB (PB)
Hospital Universitário da UFPI (PI)
Hospital Agamenon Magalhães (PE)
Hospital Universitário de Petrolina – Universidade Federal do Vale do São Francisco (PE)
Hospital Geral de Clínicas de Rio Branco (AC)
Hospital do Coração HCor (SP)
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto FAEPA (SP)
Hospital Regional Dr. Deoclecio Marques de Lucena (RN)
Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (RN)
Fundação Hospital Adriano Jorge (AM)
Hospital Geral do Estado Dr. Oswaldo Brandão Vilela (AL)