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Oito razões para um presidente não prestar homenagem a Silvio Santos

Bolsonaro e Sílvio Santos

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desembarca em São Paulo (SP) nesta terça-feira (15) para participar de uma homenagem ao empresário da comunicação Senor Abravanel, conhecido como Silvio Santos, que completou 90 anos no último sábado (12).

As afinidades entre o dono do SBT e o bolsonarismo nunca foram segredo. Nomes proeminentes da emissora, como o apresentador Ratinho e o próprio Silvio Santos, vêm prestando apoio ao capitão reformado e transformando seus programas em palanques da família Bolsonaro há pelo menos dois anos.

A via é de mão dupla. Desde 2019, a diferença entre as verbas repassadas à Globo e ao SBT caiu, e o genro de Silvio Santos, Fábio Faria, se tornou ministro das Comunicações.

Do apoio à ditadura civil militar (1964-1985) até as acusações recentes de assédio e racismo, o Brasil de Fato reuniu oito motivos para um presidente da República não homenagear Silvio Santos.

1. Beneficiado pela ditadura

O SBT nasceu em 1981, da relação entre Sílvio Santos e seu antigo colega da Escola de Paraquedistas, Délio Jardim de Matos, então Ministro da Aeronáutica do governo militar de João Figueiredo.

“Figueiredo me deu a televisão”, admitiu o apresentador, em programa veiculado em 2018.

Antes de receber a concessão, Silvio Santos já gozava dos benefícios de um bom relacionamento com a ditadura. Em 1972, ele comprou 70 mil hectares de terras em Barra do Garças (MT), na região do Araguaia, durante o governo do ditador Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), um dos mais violentos daquele período.

Na época, quem governava o Mato Grosso era o pecuarista José Fragelli, da Arena, partido de sustentação do regime. Segundo o portal De Olho nos Ruralistas, ele costumava facilitar a venda de terras para empresas e pessoas “simpáticas ao regime”.

2. Apoiador da ditadura

Para manter a concessão, contrapor o domínio da Globo e equilibrar o acesso a verbas de publicidade, Silvio Santos fazia manifestações explícitas de apoio aos presidentes militares e seus ministros. O SBT era conhecido por programas “popularescos” e representava, aos olhos dos militares, um canal direto de comunicação com a classe trabalhadora.

Em fevereiro de 2020, durante o governo Bolsonaro, Silvio Santos decidiu recriar o programa “A Semana do presidente”, exibido durante a ditadura com detalhes sobre a rotina dos militares que governavam o país. A ideia foi suspensa após críticas por seu caráter “bajulatório”.

Episódio semelhante já havia ocorrido em 2018, no contexto da eleição de Bolsonaro, quando o SBT passou a exibir vinhetas com as cores da bandeira brasileira nos intervalos comerciais da sua programação.

Uma delas continha o slogan ditadura, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, marca do governo do general Médici.

A vinheta causou indignação e foi retirada do ar no mesmo dia.

3. Afeito à censura

No dia 23 de maio de 2020, o assunto mais buscado nas redes sociais e debatido em todo o país foi o vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro, que revelou o caráter autoritário e a falta de pudor da equipe de governo federal.

Frases reveladoras, como “passar a boiada” e “botar os vagabundos do STF na cadeia” foram ditadas naquela reunião pelos ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Abraham Weintraub, então responsável pela pasta da Educação.

Como o conteúdo comprometia em grande medida a imagem do governo, o SBT decidiu suspender a exibição de seu principal jornal, o SBT Brasil. Não houve qualquer aviso ou esclarecimento ao público sobre essa escolha.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) se posicionou sobre o caso no dia seguinte. Segundo a entidade, aquele episódio de censura remete “aos mais sombrios dias da ditadura militar instaurada no país com o golpe de 1964”.

“O episódio é mais um de uma série de intervenções no jornalismo do ‘dono’ do SBT, Sílvio Santos, que solenemente ignora o fato de que se trata de uma concessão pública, o que, legalmente, o obrigaria a cumprir uma série de requisitos impedindo que a TV fosse usada em benefício de interesses políticos particulares”, conclui a nota do FNDC.

4. “Sexo, poder ou dinheiro?”

Essa pergunta foi feita em 2016 por Silvio Santos, durante um programa do SBT, a uma criança de cinco anos.

O caso foi alvo de um inquérito do Ministério Público Federal (MPF). “A criança e o adolescente têm direito ao respeito e à dignidade como pessoas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, direito ao respeito que compreende a inviolabilidade da integridade psíquica, abrangendo preservação da imagem”, diz o texto da Procuradoria Regional em São Paulo.

Ainda segundo o MPF, a livre manifestação do pensamento não é direito absoluto, sendo assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Sobre aquele episódio, o SBT informou que “a genitora da menor ajuizou ação de indenização contra a radiodifusora em defesa dos interesses individuais e personalíssimos”, e que “não ocorreu nenhum tipo de solapamento difuso dos direitos imanentes às crianças”.

O quadro “Miss Infantil”, exibido até hoje sob a batuta de Silvio Santos, também tem sido criticado por especialistas. Meninas de sete a dez anos de idade desfilam, muitas vezes com roupas de banho, e recebem elogios dos apresentadores e jurados.

5. Acusação de racismo

Silvio Santos foi acusado de racismo em dezembro de 2019 ao tirar um prêmio musical de uma candidata negra, contrariando a escolha do auditório, durante o quadro “Quem você tira?”.

O co-deputado estadual Jesus dos Santos, da Bancada Ativista, protocolou na semana semana uma representação na Justiça do Estado de São Paulo contra o apresentador. A representação cita ainda três casos anteriores em que considera que houve racismo por parte do dono do SBT.

Silvio Santos ironizou as acusações no ar, em 15 de dezembro.

6. Suspeitas de corrupção

O nome do apresentador foi um dos mais comentados das redes sociais assim que veio à tona a delação do operador financeiro Adir Assad, afirmando que “lavou” cerca de R$ 10 milhões para o Grupo Sílvio Santos por meio de contratos fraudados de patrocínio esportivo no final dos anos 1990.

Em agosto de 2019, o Grupo Silvio Santos afirmou à imprensa que não se manifesta sobre o caso por não conhecer o teor da delação.

7. Machismo e sexismo

Declarações machistas e comentários sobre a aparência das mulheres também provocam revolta em um país que registra um feminicídio a cada 7 horas.

“Estou vendo daqui que você engordou um pouquinho”, disse à assistente de palco Helen Ganzarolli durante o programa Jogo dos Pontinhos. “Me faça um favor: não engorde, porque você é a única musa que eu tenho.”

São comuns ainda declarações como “depois que o Luciano Huck casou com a Angélica, deu um trato nela e ela ficou linda”, assim como “brincadeiras” sobre a roupa das mulheres no palco.

A postura sexista desperta críticas até da própria família. A filha e também apresentadora Patrícia Abravanel chegou a dizer no ar: “Não gosto e ver meu pai fazendo a pegada de velho taradão, falando de sexo. Vem qualquer mulher bonita e ele fica comendo com os olhos, não precisa”.

8. #ChegaDeAssédio

Em 10 de novembro de 2018, durante o programa Teleton, Silvio Santos disse ao vivo que preferia não abraçar a cantora Cláudia Leitte pois ficaria “excitado”.

No Teleton de 2016, o apresentador já havia se recusado a dançar com a cantora Anitta com o mesmo “argumento”, em tom de piada.

“Senti-me constrangida, sim”, disse a cantora nas redes sociais. “Quando passamos por episódios desse tipo, vemos em exemplificação, o que acontece com muitas mulheres todos os dias, em muitos lugares. Isso é desenfreado, cruel, nos fere e nos dá medo. A provocação vem disfarçada de piada, e as pessoas riem, porque acostumaram-se, parece-nos normal”.

No dia seguinte, a hashtag #ChegaDeAssédio foi uma das mais comentadas do país, e dezenas de artistas se posicionaram em solidariedade à cantora.

Silvio Santos se recusou a pedir desculpas sobre o caso.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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