Há sete décadas, as mãos habilidosas da mestra artesã Maria do Carmo Amorim dão um toque especial à fabricação de rendas no município de Saubara.
Dona Maria faz parte da quarta geração de uma família de mulheres rendeiras do município, que teve a vida transformada pelo artesanato e que, desta sexta-feira (17) até o próximo domingo (19), vai expor e comercializar seus produtos, ao lado de mais 200 artesãs e artesãos, no 1º Festival Nacional de Artesanato na Bahia – FENABA, na Arena Fonte Nova, em Salvador, com entrada gratuita.
Maria do Carmo, fundadora da Associação de Artesãos de Saubara, junto a outras 30 artesãs, tiveram o trabalho reconhecido nacionalmente nas telas da TV, ao utilizar a técnica ancestral do bilro (um tipo de renda produzida pelo cruzamento sucessivo ou entremeado de fios têxteis, executado sobre o pique e com a ajuda de alfinetes e dos bilros).
As rendeiras de Saubara foram responsáveis pela confecção das peças que cobrem o vestido de noiva de Maria Santa, a Santinha, personagem da atriz Duda Santos, no remake da novela “Renascer”.
“Comecei a fazer renda aos 7 anos e foi uma surpresa receber o convite para confeccionar duas toalhas de renda de dois metros para esse vestido. Foram dois meses de trabalho e muita dedicação. Ficamos muito felizes com esse reconhecimento nacional para as artesãs de Saubara. Essa é uma vitória de todas nós”, comemorou a artesã.
O Festival conta com a presença majoritária de expositoras mulheres, e se destaca como instrumento de empoderamento feminino, que se traduz como um ofício gerador de renda e independência financeira para muitas delas. Célia Amorim, 62 anos, mestra de tecelagem e pintura em tecido, dá aulas para indígenas de aldeias da Costa do Descobrimento há 30 anos.
Ela contou que planta o algodão, fia e tece. “É um trabalho muito sustentável. Com o algodão eu faço vestidos, bolsas, echarpes, kaftans. Reaproveito o material. Até mesmo retalhos que vão ser jogados fora eu reaproveito e faço bolsas”. Sobre a participação na Fenaba, ela foi enfática. “Esse evento é muito importante pra gente mostrar a Bahia para o Brasil inteiro”.
Esse é o primeiro ano do festival nacional, que é realizado pela Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), através da Coordenação de Fomento ao Artesanato (CFA), em parceria com as Secretarias da Cultura (Secult), do Turismo (Setur) e de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi). Inspirado na expressão “Fé na Bahia”, o objetivo é dar maior visibilidade e articular políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do artesanato, com a valorização dos artistas e ações voltadas para a geração de trabalho e renda.
A Bahia está entre os três maiores polos do artesanato do Brasil, com 20 rotas em todo o estado, nas diversas regiões.
“Aqui temos os mestres e as mestras, temos os povos originários, os povos tradicionais. Se configura como uma vitrine para o artesanato, que valoriza a nossa identidade cultural e representa uma atividade de geração de emprego e renda. O nosso desejo é firmar essa agenda no calendário nacional para que coloquemos o artesanato da Bahia em outro patamar”, recomendou o secretário da Setre, Davidson Magalhães.
Com expectativa de receber 3.500 visitantes por dia, 235 estandes mostram a riqueza e a diversidade cultural em 20 rotas de artesanato da Bahia e de outras regiões do Brasil, num grande encontro entre artes, saberes e tradições e muita criatividade, com uma extensa programação para toda a família.
A designer de produtos, Rebeca Simas, estava empolgada para comprar peças confeccionadas por indígenas e garantiu um brinco logo na chegada.
“Sou apaixonada pelo trabalho deles, porque falam da identidade da Bahia. Tem uma questão ancestral que traz uma energia boa para a gente. Me identifico com as cores, com essa questão de se adereçar. Acho muito bonito”, disse.
Além da Bahia, representada pela Federação de Associações de Artesãos do Estado da Bahia (FAAEB) e dez Federações Nacionais representando a Confederação Brasileira de Artesãos (CONART – Brasil), estão presentes os estados de Alagoas, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Piauí, Sergipe, São Paulo e o Distrito Federal.
A Fenaba conta com expositores de técnicas do artesanato, como renda, bordado, tecelagem, pintura, cerâmica, entalhe em madeiras, trançado, crochê, fuxico, ourivesaria, costura em retalho, redes e objetos produzidos a partir de matérias-primas como coco, palha, fibra, piaçava, sementes, escamas de peixes e conchas.
São peças que resultam de diferentes tipologias, que contam história e exaltam a criatividade das artesãs e artesãos de diferentes regiões da Bahia e do Brasil.
Entre as 20 rotas do artesanato, está a dos Trançados, que vai do Sertão ao Médio Rio das Contas; do Caroá, no Piemonte do Paraguaçu; do Couro, no Portal do Sertão; do Sisal; do Jiquiriçá, no Vale do Jiquiriçá; da Cerâmica, na região do Velho Chico; da Piaçava, no Litoral Norte e no Agreste, do Pau Brasil, no Litoral Sul; do Cerrado, na bacia do Rio Corrente; e da Palha.
Na rota da Piaçava é possível conhecer a produção artesanal com palha, da artesã de Porto de Sauípe, Sileide de Oliveira Folgaça, 44 anos.
“Fazer artesanato é para quem tem coragem, para quem tem garra. O nosso trabalho começa no mato, quando colhemos as palhas e colocamos para cozinhar duas vezes. Depois colocamos para secar e montamos as bolsas e tingimos. Isso leva tempo, em torno de oito a 15 dias. Mas estou aqui, aproveitando essa oportunidade. Não desisto, pois sou uma artesã de verdade”, garantiu.
O Nível 6 da Arena Fonte Nova é o espaço que concentra a maioria dos estandes de comercialização de produtos. No pavimento, também funciona o espaço gastronômico, parque infantil, setor da Economia Solidária, Salão de Negócios e um mini palco, onde acontecem apresentações artísticas e musicais.
Os visitantes podem explorar espaços dedicados à homenagem da tradição e cultura ancestral no Nível 7. Destaque para o “Espaço Mestras e Mestres ”, onde artistas renomados compartilham seus saberes e promovem a preservação e transmissão dos conhecimentos e técnicas artesanais para as futuras gerações. Também é destaque o “Espaço dos Povos Originários e Tradicionais”, que apresentam toda a riqueza da arte e da cultura indígena e quilombola da Bahia.
No mesmo piso, os visitantes do FENABA conhecem o ‘Espaço Conceito’, uma exposição imersiva que reproduz um cenário de uma casa decorada com um mix de peças artesanais utilitárias para o dia-a-dia, mostrando como o uso do artesanato na decoração pode imprimir beleza, personalidade e funcionalidade para os ambientes. No local, também acontecem as oficinas de qualificação, onde visitantes e artesãos irão aprender e aprimorar técnicas de artesanato.
Já no o auditório, localizado no Nível 8 da Arena Fonte Nova, acontecem o 2° Encontro de Artesãs e Artesãos da Bahia e os painéis com as temáticas “Artesanato e Empreendedorismo Feminino” e “Negócios do Artesanato”.
Para chegar ao FENABA, o público deve usar preferencialmente a entrada pela Ladeira da Fonte. Para quem for de carro, o estacionamento funcionará no Nível 2 da Arena Fonte Nova, com acesso pelo Dique do Tororó. Os ingressos para o evento já estão esgotados.
Atrações artísticas
Na sexta-feira (17), o palco principal do FENABA contou com a apresentação da sambista baiana Mariene de Castro e os Autorais, projeto que reúne três grandes compositores e cantores baianos: Jorge Zárath, Tonho Matéria e Tenison Delrey.
O cantor e compositor carioca Paulinho da Viola se apresenta em clima de encerramento da turnê nacional comemorativa aos seus 80 anos, neste sábado (18), quando retorna a Salvador após nove anos, com um repertório rico em samba e choro para o público presente do festival.
Neste sábado a FENABA recebe a banda Sambaiana, grupo de samba formado por mulheres, e o stand up com o influencer Matheus Buente. No domingo (19), o cantor Jau e convidados encerram o evento.
Simônica Capistrano