Sérgio Guizé diz que seu personagem em “Além do Homem” teve de “quebrar dogmas, como essa coisa patriarcal, entender o feminino, para poder se redescobrir”.
“A redescoberta veio através da poesia, do afeto – com certeza, ele termina outro homem, como eu terminei outro homem.”
O ator falou sobre o filme, que entra em cartaz em 28 de junho, em entrevista coletiva em São Paulo nesta segunda-feira (11).
Neste longa de estreia do diretor Willy Biondani, Guizé interpreta Alberto, um aspirante a escritor brasileiro que mora em Paris – e que parece não morrer de amores pela terra natal. Mas, para a tristeza do protagonista, ele é convencido pelo sogro fazer uma viagem até uma cidadezinha no interior do Brasil.
Não é qualquer passeio: ele deve refazer os passos de um estudioso francês que, aparentemente, morreu no Brasil vítima de um ritual canibal promovido por nativos do Brasil.
A viagem de Alberto é mesmo uma “viagem”, ou seja: o tom é de delírio. O diretor cita como influências a Semana de Arte Moderna de 1922, a Tropicália, cultura pop, arte primitiva e arte indígena.
“O filme se propõe muito mais a ser uma experiência sensorial do que ter uma narrativa convencional de cinema”, explica o diretor.
Já Guizé fala em “um personagem alegórico, que representa muita coisa, que pode ir a vários lugares, pode ser um sonho”.
“O processo foi de imersão mesmo. Passa por olhar pra dentro. Eu usei mais o coração do que a cabeça. Acho que é isso.”
Recado para o Brasil de hoje?
O ator Fabrício Boliveira (atualmente no ar em “Segundo Sol”, da TV Globo) usou o termo “autofagia” para se referir a Alberto.
No filme, Boliveira vive o taxista-guia-turístico Tião. Sobre seu personagem que o próprio intérprete comparou ao Saci e que propõe um jogo quase de sedução com o protagonista, o ator disse: “Nessa relação com o Alberto, o que o Tião quer de verdade? Parece uma coisa meio sexual, mas depois vira uma coisa financeira, depois vira cultural…”
Par Boliveira, “o filme chega num momento mais necessário”. Está se referindo à situação atual do Brasil, e o diretor concordou com isso.
“A ideia é que ele foque no público jovem. Mais que nunca, a gente tem de criar a reflexão sobre a necessidade de se ter utopias no público jovem”, disse Biondani. “A gente tem criado uma geração de brasileiros em esperança.”
O ‘feminino’
O termo “feminino” é recorrente no discurso da equipe do filme. O diretor lembrou que a ideia de “Além do homem” veio de sua própria experiência como brasileiro morando no exterior e que queria recuperar a própria identidade.
“E cheguei a ideia utópica de um lugar feminino, com alma feminina. O feminino, neste caso, se refere não só a gênero, mas muito mais a uma atitude afetiva e generosa em relação à vida.”
Biondani também se perguntou: “Onde é esse território do masculino e do feminino para mim? Masculino está naquilo que a gente conhece como a dinâmica do mundo hoje em dia: ambição, poder, sucesso, macho alfa, o cara foda, que manda – é o que está todo mundo procurando”.
Por esse motivo, justificou, foi escolhida como locação de maior parte do filme a cidade de Milho Verde (MG), com paisagem do cerrado. “A gente coloca esse personagem nesse trajeto árido, para depois ele atingir a cachoeira, que na verdade representa o feminino da gente, um ambiente mais verde, mais fértil.”
Por fim, ele lamentou a ausência na coletiva da atriz Débora Nascimento, que faz um dos papéis mais importantes de “Além do homem”. Disse que ela teve de ficar em casa amamentando a filha, que nasceu em abril.
Cauê Muraro