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‘Divino amor’ é ‘Black mirror’ brasileiro com estado religioso e sexo grupal aprovado por igreja

Foto:Divulgação/Victor Juca

Não que a capacidade imaginativa de Gabriel Mascaro seja passível de questionamentos, mas “Divino amor” é uma distopia incrivelmente real.

O novo longa do diretor de “Boi neon” estreia no Brasil nesta quinta-feira (27), estrelado por Dira Paes. Ela é uma burocrata religiosa em um Brasil com um Estado quase religioso. Em 2027, preceitos bíblicos de interpretação peculiar norteiam a sociedade.

Ele até tem algumas parafernálias tecnológicas com carinha de “Black mirror”, como o detector de mulheres solteiras, casadas ou grávidas. Há também algumas mudanças nos costumes: neste Brasil repensado, o carnaval dá lugar a uma rave gospel.

Dira e Mascaro concordam. Para eles, “Divino amor” tem mais a ver com a série inglesa. Não tem tanto a ver com “Handmaid’s tale”, sobre um futuro distópico de uma sociedade dominada por uma seita que transforma as mulheres férteis em escravas sexuais.

Mas não é muito distante da realidade: baladinhas com corpos dançantes ao som de louvores frenéticos já existem aos montes. Festas que reúnem milhares de pessoas em busca de uma experiência transcendental por meio do evangelho também.

O trunfo aqui está na sutileza das extremidades. Ele não apresenta um mundo saído apenas do plano das ideias, mas um Brasil possível com um pouco de esforço.

O Estado do filme é laico, mas o fundamentalismo vai se infiltrando por meio de frestas. Sobretudo da personagem de Dira, uma funcionária pública responsável por divórcios, que tenta dissuadir os cidadãos com passagens bíblicas, testemunhos e apelos inadequados.

Dira Paes, veterana no cinema, e Julio Machado, nome em ascensão no audiovisual brasileiro, compõem um bom contraste entre a urgência e a calma.

Paes está efusiva, com um sofrimento sempre preso na garganta. Ela parece encaixar perfeitamente no papel. Não por acaso. Em entrevista ao G1, a atriz conta que Mascaro escreveu o roteiro pensando nela.

Gabriel neon

Dira Paes em cena de 'Divino amor' — Foto: Divulgação

Dira Paes em cena de ‘Divino amor’ — Foto: Divulgação

A assinatura de Mascaro vem forte. O divino amor propriamente dito, culto-terapia de casais, é todo neon. As raves, a igreja-garagem e até um aparelho que promete aumentar a fertilidade carregam essas cores que fascinam.

O neon não é a única marca de Mascaro. Ele continua com um olhar sensível e um ritmo pé no freio, com espaços para cenas artísticas e performáticas em meio à efusividade de sua história.

E acentua a melancolia dos personagens. Se em “Boi neon” o protagonista sofre de forma quase alegre envolto em pressões e dúvida, “Divino amor” guarda pouquíssimo espaço para alegrias.

Dira Paes em 'Divino amor' — Foto: Divulgação/Victor Juca

Dira Paes em ‘Divino amor’ — Foto: Divulgação/Victor Juca

A sensualidade é latente durante quase todo o filme e se encarna principalmente nos rituais de sexo em grupo feitos por casais em crise, com a chancela de líderes religiosos e entre as quatro paredes do templo.

Elogiado internacionalmente

“Divino amor” estreou internacionalmente em janeiro no Festival de Sundance. Ele participou da mostra competitiva World Dramatic.

Empolgou a crítica internacional e recebeu a média de 86 (de 100) no site Metacritic, que compila as notas dos principais veículos especializados do mundo.

Jornalistas e críticos destacam a beleza da fotografia e da produção e a ousadia do diretor. E elogiam a “semelhança com a realidade”, servindo como uma “parábola” de alerta bem criada e dirigida.

G1

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