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GOVERNO DEVE PROPOR COTAS PARA NEGROS NA PÓS-GRADUAÇÃO ATÉ JUNHO

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) deve apresentar até o fim de junho uma proposta de cotas para estudantes negros na pós-graduação.

 

A intenção é que as instituições federais em todo o país aumentem o acesso desses alunos, garantindo não apenas o ingresso, mas a diversidade de temas pesquisados.

“É algo imprescindível para o país, tendo em vista que as políticas de ação afirmativa tendem a agregar valor. Quanto maior a diversidade, maior qualidade.”

Não só na esfera da correção da desigualdade, mas em função de melhorar a qualidade da pós-graduação, diz o secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Seppir, Ronaldo Barros.

Atualmente as cotas raciais para pós-graduação são aplicadas em alguns processos seletivos e em alguns departamentos de instituições de ensino.

A maior abrangência é no Rio de Janeiro onde uma lei estadual (Lei 6.914/14) estabelece que 12% das vagas de pós-graduação das universidades públicas do estado do Rio de Janeiro sejam destinadas a negros e indígenas.

A proposta vai se basear na Lei de Cotas (Lei 12.711/12) da graduação, que estabelece que até 2016, 50% das vagas das universidades federais e das instituições federais de ensino técnico de nível médio devem ser reservadas a estudantes de escolas públicas. A lei também garante reserva de vagas para estudantes negros.

A Seppir irá propor também o fortalecimento de linhas de pesquisa voltadas para questões raciais, assim como dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros presentes em universidades federais e estaduais.

“Na graduação temos um sistema unificado, coisa que não temos na pós-graduação”, explica Barros, referindo-se ao processo de seleção que varia de instituição para instituição.

“Queremos encontrar formas de promover esse ingresso sem ferir a autonomia das instituições.”

A proposta, que está sendo discutida em um grupo de trabalho na Seppir, ainda será apresentada ao Ministério da Educação e outras áreas do governo para ser discutida antes de ser colocada em prática.

Para Barros, a presença de estudantes negros na pós-graduação é baixa.

“Se considerarmos que a população negra representa 53% da população e isso não se reflete nem na graduação nem na pós significa que tem uma grande riqueza que não está sendo valorizada”, diz.

“Há uma necessidade não só de abrir vagas como abrir linhas de pesquisa para as relações étnico- raciais. O Brasil precisa conhecer melhor a sua realidade, já que esse grupo compõe a maioria absoluta da população.”

Outra questão que é debatida pela Seppir é a contratação de professores negros.

A pasta monitora os concursos públicos e diz que, muitas vezes, esses exames de ingresso “não estão indo ao encontro do espírito da Lei de Cotas”.

Os casos estão sendo encaminhados à ouvidoria da pasta para a elaboração de relatórios estatísticos.

A Lei 12.990/14 reserva aos negros 20% das vagas de concursos públicos federais. Para a reserva ser aplicada, é preciso uma oferta mínima de três vagas.

“O formato histórico dos concursos no ensino superior tem sido especificar vaga a vaga e isso não está de acordo com o espírito da lei que se aplicaria às vagas daquela instituição. Então a definição de vagas isoladas tem gerado essa incompatibilidade. As instituições precisam se adequar sob pena de incorrer na violação dos princípios legais”, diz o secretário.

Negros representam 28,9% dos alunos da pós-graduação

O número de estudantes negros (soma de pretos e pardos) no mestrado e no doutorado mais que duplicou de 2001 a 2013, passando de 48,5 mil para 112 mil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Considerando apenas os estudantes pretos, o número passou de 6 mil para 18,8 mil, um aumento de mais de três vezes.

Embora representem a maior parte da população (52,9%), os estudantes negros representam apenas 28,9% do total de pós-graduandos.

O número de estudantes brancos nessa etapa de ensino também aumentou nos últimos 12 anos, passando de 218,8 mil para 270,6 mil.

“A comunidade negra tem cada vez mais mestres e doutores formados. Tem mais pessoas habilitadas a fazer pesquisa, a liderar pesquisa.”

“Mas a universidade, a academia, ainda é controlada pelos interesses dos brancos”, analisa a coordenadora da organização não governamental (ONG) Criola e doutora em Comunicação e Cultura, Jurema Werneck.

“A verdade é que cresce a formação de pesquisadores, mas a condição de eles participarem, de produzirem pesquisas ainda é bastante limitada”, acrescenta.

Levantamento divulgado este ano pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) mostra que das 91.103 bolsas de formação e pesquisa do instituto em janeiro de 2015, 26% eram destinadas a estudantes negros, enquanto 58% eram para brancos.

O percentual de indígenas não atinge 1%. Cerca de 11% dos bolsistas não declararam raça.

“O racismo no ambiente de pesquisa não está só vinculado à presença ou ausência de pesquisadores negros. O racismo na pesquisa é exercido na produção científica atual, ela é voltada claramente para o racismo. Não tem dado raça/cor, isso não é pesquisado, por exemplo”, analisa Jurema.

Para a psicanalista e professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB) Maria de Lourdes Teodoro, o número de estudantes negros na pós-graduação ainda é insignificante.

“É insignificante em relação ao que deveria ser se houvesse justiça social no Brasil, se não houvesse uma marginalização histórica que está difícil de ser revertida no sentido pleno porque as desigualdades são grandes.”

Lourdes graduou-se em literatura brasileira e língua estrangeira moderna na Universidade de Brasília (UnB) em 1972.

Após encontrar as portas fechadas para fazer um mestrado no Brasil, ela seguiu para a França, onde fez mestrado e doutorado na Universidade de Paris III (Sorbonne-Nouvelle).

“Quando voltei, foi a primeira vez que conheci o desemprego no Brasil. Curioso, porque normalmente a gente não consegue emprego por não ter capacitação. Eu estava capacitada”, conta.

O currículo inclui ainda um pós-doutorado na Universidade de Harvard.

“Talvez seja mais difícil para um estudante negro se mobilizar, se motivar e levar adiante seus projetos. É um esforço pessoal que precisa ser maior já que o racismo existe, que as barreiras a serem vencidas são mais fortes”, diz a especialista.

“Quem está na luta tem que enfrentar as dificuldades.”

E se o racismo é um problema, é um problema a ser enfrentado, encarado. Aqueles que conseguiram fazer a graduação e iniciar um processo de pós-graduação, nós, negros, no caso, temos que nos preparar cada vez mais para encarar essas dificuldades e tentar vencê-las”, diz.

Para a doutoranda em comunicação Kelly Quirino, há uma dificuldade em abordar a questão racial no Brasil.

“A gente tem introjetado que vive numa democracia racial. Percebo tanto na faculdade quanto em outros setores sociais a dificuldade de abordar essa questão”, diz.

“A maior dificuldade que encontro é estar em um espaço universitário onde não se consegue nem o número de estudantes negros na pós-graduação. “

Quando esses estudantes estão, há a dificuldade em se trabalhar com a temática racial. A academia brasileira é uma academia elitista.”

Fonte: Mariana Tokarnia

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