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Ken Scott fala sobre imersão nos misticismos da Índia

Estrelado por Dhanush (à esq.), “The extraordinary journey of the fakir” estreia no circuito europeu

Embora esteja colonizado no momento por superproduções Marvel como “Vingadores: Guerra infinita” e “Deadpool 2”, o circuito exibidor da França, historicamente sedento por filmes de diferentes cantos do mundo, vai se render neste fim de semana a um faquir indiano que corre o planeta atrás de um amor e de… uma cama de pregos.

“The extraordinary journey of the fakir” é uma coprodução franco-americana, dirigida pelo canadense Ken Scott e estrelada por Dhanush, uma espécie de Steve Martin (jovem) da Índia, que estreia em Paris e arredores neste fim de semana cercado de elogios e de forte expectativa comercial.

Embora não estivesse em nenhuma das mostras oficiais de Cannes, encerrado no dia 19, ele mobilizou atenções nas áreas do festival usadas para negociações de distribuição e exibição como nenhum outro projeto,  graças a um material publicitário (trailer, teaser, cartazes) que vem seduzindo as redes de multiplex, os donos de cinemas de rua e os internautas. Aos olhos dos exibidores do Velho Mundo, ele se apresenta como um novo “Quem quer ser um milionário?” (2008), blockbuster de Danny Boyle detentor de oito Oscars e de uma bilheteria de US$ 377 milhões.

Baseado no romance best-seller “A extraordinária aventura de um faquir que ficou preso em um armário Ikea”, do francês Romain Puértolas, o longa-metragem de Scott acompanha as malandragens de Ajatashatru Oghash Rathod (Dhanush) em viagem da Índia a Londres, com uma passagem por Paris, onde vai ser flechado pelo Cupido ao conhecer uma vendedora de colchões (Erin Moriarty). A estreia no Brasil ainda não foi divulgada.

Na entrevista a seguir, Ken Scott, que dirigiu o comediante americano Vince Vaughn em “De repente pai” (2013), fala de sua imersão nos misticismos da Índia.

JORNAL DO BRASIL: Qual é a Índia retratada em “The extraordinary journey of the fakir”?

Ken Scott: É o nosso ponto de largada. A trama parte dela para ganhar a Europa, desafiando os tabus multiculturais e o problema dos maus-tratos aos refugiados políticos. Mas, durante toda a narrativa, eu não me desligo das características regionais do folclore indiano. Não é um filme de Bollywood, não é Satyajit Ray (cineasta indiano famoso entre os anos 1950 e 80 por longas de tom social como ‘O mundo de Apu’), é apenas um ato de respeito a uma realidade diante da qual eu sou um estrangeiro.

Toda a publicidade do filme apresentada em Cannes sugere que o fi lme tem um tom fabular. Qual é o lugar da fábula no cinema de hoje?

Meu esforço era buscar identificações entre o que existe de comum entre o povo da Índia e alguém como eu, um diretor canadense
A fábula é um caminho para a universalidade, característica que eu mais persigo no meu cinema. Existe já no livro de Romain Puértolas, em que nos baseamos, uma natureza de fábula, calcado no encantamento, ao relatar o modo inusitado como o faquir se desloca por lugares inusitados. Porém, o que havia de mais especial no tom fantástico da história é o fato de ela exigir uma fidelidade a cada cultura que nós visitamos. Meu maior desafio era jamais filmar como turista, buscando o exotismo. Meu esforço era buscar identificações entre o que existe de comum entre o povo da Índia e alguém como eu, um diretor canadense que filma em vários locais.

E como a sua fotografia opera no esforço de evitar exotismos diante do colorido da Índia?

Aproveitando a luz natural de cada localidade. A Índia reina sobre os primeiros 21 minutos do filme, mostrando o personagem de Dhanush ainda criança, convencendo as pessoas de tem poderes mágicos, como os faquires do passado. Tem uma cor nos prédios, nos mercados, nas tapeçarias que eu precisava incorporar com um olhar mais interessado em fazer um registro descritivo do que em fazer um senso antropológico. Ter em cena um ator que fez 35 filmes antes de trabalhar com você, como é o caso de Dhanush, ajuda muito. Ele foi um guia para que eu entendesse a Índia a partir dos olhos de quem vem de lá. Dhanush é muito experiente e sabe como extrair humor das situações mais corriqueiras.

Qual foi o maior saldo estético que o senhor tirou dessa aventura multiculturalista?

A sensação de que se você fala sobre a condição humana, você estará sendo, de modo imediato, universal. E o amor é parte da condição humana. Assim como a errância. Há alguns anos, eu dirigi no Canadá um filme chamado “A grande sedução”. Parecia um roteiro regional, com foco em pescadores. Um dia, soube que distribuidores da Coreia do Sul estavam doidos pelo filme. Estranhei e perguntei a eles: ‘O que essa história significa pra vocês?’. Eles me deram uma reposta que me emocionou: ‘Este também é um filme sobre nós, coreanos, pois ele se afina com o nosso modo de encarar a vida ao apostar na simplicidade’. Depois disso, parei de filmar me preocupando com valores específicos e passei a crer no poder de comunicação global da linguagem do cinema. Este faquir não é só da Índia. É do mundo.

*Roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)

 

RODRIGO FONSECA

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