Segundo os dados mais recentes do 1º Lesbocenso Nacional, relativos aos anos de 2021 e 2022, mais de 78% das mulheres lésbicas do Brasil relatam que já sofreram algum tipo de assédio ou violência.
Um exemplo atual desses números tomou as manchetes e discussões na internet na última semana, quando parlamentares do Congresso Nacional e de câmaras estaduais e municipais denunciaram o recebimento sistemático de ameaças de “estupro corretivo” por e-mail.
No Brasil e no mundo, a violência está tão presente na vivência lésbica que, de certa forma, influenciou até a escolha da data que marca o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, 29 de agosto, definida na primeira edição do Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), em 1996.
Não porque algum acontecimento negativo tenha ocorrido, mas justamente pelo alívio das participantes em conseguir abrir o seminário sem nenhuma intercorrência.
Na pesquisa “A lesbianidade como resistência: a trajetória dos movimentos de lésbicas no Brasil – 1979-2001”, a autora Núbia Carla Campos levantou relatos sobre o evento.
Em um deles, a ativista Marise Fernandes conta que a organização chegou a solicitar à imprensa que não divulgasse o nome do hotel onde o Senale ocorreria por medo de manifestações contrárias, atos de violência ou represálias.
De acordo com Fernandes, havia dúvida entre o 29 de agosto e o 1º de setembro.
“Considerando que alguma coisa poderia ter dado errado em termos de ocorrência de violência e, felizmente, fomos respeitadas, tanto pela imprensa, pela população em geral, pelos funcionários do hotel e por todas as pessoas presentes naquela abertura. Na votação, esse segundo argumento saiu vitorioso e, a partir daquele ano, a data passa a ser celebrada em diferentes pontos do Brasil”, contextualiza.
A pesquisadora Núbia Carla Campos também ouviu uma das principais organizadoras do evento, a ativista Neusa das Dores Pereira.
Segundo o relato, a data faz referência a “um dia alegre para o movimento de lésbicas no Brasil, um momento histórico de um espaço de lésbicas, não um dia marcado por dor, sofrimento e morte, fatos que permeiam a história do movimento”.
Junto com Elizabeth Calvet, Neusa das Dores liderou a realização do Senale. As duas mulheres negras eram representativas de boa parte das participantes.
“O 29 de agosto é uma luta, sobretudo, das mulheres lésbicas negras. Hoje, todas colhem frutos por causa de uma iniciativa de mulheres lésbicas negras. Disso não podemos esquecer”, ressalta a Jornalista Paula Évelyn Silveira Barbosa, diretora-geral e cofundadora do Arquivo Lésbico Brasileiro.
A primeira edição do Senale foi organizada pelo Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (Colerj) realizada em um contexto em que os movimentos lésbicos no Brasil se consolidavam fora das organizações feministas e pelos direitos de pessoas homoafetivas.
Mesmo nesses espaços, a invisibilização históricas das mulheres lésbicas era predominante.
Apesar de terem sido essenciais para a construção dessas lutas, elas tinham pouco espaço e apoio para as próprias demandas.
“A militância lésbica já tinha algum tempo de história, nós começamos ali por 1979 e nos anos 1980 e nós chegamos nos anos 1990 ainda com alguns entraves, com algumas dificuldades de se organizar e estabelecer interlocução com outros movimentos sociais.
Por se sentirem invisíveis, as lésbicas começam a se organizar para propor, não só no sentido da visibilidade, por querer aparecer e ser reconhecida, mas visibilidade de uma maneira transversal.
Visibilidade em política pública, visibilidade mediática, visibilidade de todas as maneiras possíveis”, afirma Paula Évelyn Silveira Barbosa.
No Seminário, os debates giraram em torno das estratégias de organização, da visibilidade e da saúde.
O principal foco das propostas finais aprovadas era a cobrança por mais informações, campanhas e dados sobre os impactos da epidemia do HIV entre mulheres homoafetivas.
A demanda está diretamente conectada ao momento histórico em que o evento ocorreu.
Mas o Senale também levantou a necessidade de mais acesso à preservativos femininos e mudanças no atendimento prestado por profissionais da saúde a mulheres lésbicas, temas presentes até hoje.
Como todas as pautas e demandas das mulheres lésbicas elas estão diretamente ligadas à invisibilização.
Paula Evélyn Silveira Barbosa pontua: “Essa data entrou para a histórica do movimento lésbico como uma data de celebração, uma data em que nos encontramos para reivindicar aquilo que é a nossa pauta histórica.
Todas as vezes que você conversa com lésbicas que tem algum nível de politização, elas sempre vão falar sobre a questão da invisibilidade. Então, a partir desse momento, elas decidem romper o silêncio criando esse marco”.
Nara Lacerda