No dia 28 de fevereiro a Itaipu Binacional pagou a última parcela de sua dívida de construção, se tornando uma empresa amortizada e livre para ampliar investimentos socioambientais.
Mas essa liberdade pode gerar dificuldades ao Brasil: uma vez quitada a dívida, o Paraguai não é mais obrigado a vender a sua energia excedente ao seu vizinho do leste.
No acordo de Itaipu, a energia gerada é dividida igualmente entre Paraguai e Brasil, mas Assunção deve vender seu excedente para Brasília, até quitada a dívida de construção da usina.
“O Paraguai não consome toda essa energia, e por isso vende esse excedente a um preço módico ao Brasil”, disse a coordenadora do Observatório do Regionalismo e professora de relações internacionais da UNIFESP, Regiane Nitsch Bressan.
“O Paraguai já reivindicava o ajuste desse preço, e agora pode solicitar a venda dessa energia para outros países.”
As negociações sobre o Anexo C do contrato devem iniciar em agosto e mobilizar a diplomacia paraguaia, já que a receita com a venda de energia para o Brasil tem impacto significativo na economia paraguaia.
Nos últimos dez anos, a hidrelétrica de Itaipu supriu 13% da demanda energética do Brasil e 90% das necessidades do Paraguai, de acordo com nota expedida pelo Itamaraty na ocasião do pagamento da dívida da empresa.
De acordo com Bressan, o Paraguai poderia de fato lucrar mais caso vendesse a energia de Itaipu no mercado livre.
Por outro lado, Assunção deve se preparar para lidar com tarifas oscilantes, e não estáveis como as pagas pelo Brasil.
Além disso, a alta demanda brasileira e facilidades logísticas para a exportação da energia podem manter o Brasil como principal cliente prioritário do Paraguai, independentemente das obrigações no âmbito do Anexo C.
“O Paraguai não necessariamente precisa vender para o Brasil, mas acho que, pela logística e compromisso diplomático, essas vendas tendem a continuar”, considerou Bressan.
A especialista lembra que, apesar de a hidrelétrica ser binacional, “se não fosse o financiamento do Brasil a Itaipu não existiria”. Além disso, Brasília tem “grande poder diplomático” sobre Assunção.
Essa disparidade deve ser temperada pela visão de política externa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Na quinta-feira (16), o presidente brasileiro declarou que “o Brasil vai respeitar o Paraguai” durante as negociações da hidrelétrica de Itaipu.
“Tenho certeza que chegaremos a um tratado que levará em conta a realidade dos dois países e muito em conta o respeito que o Brasil tem que ter por um aliado, nosso amado Paraguai”, afirmou Lula durante a cerimônia de posse do novo diretor-geral da empresa, Ênio Verri.
O governo Lula deve retomar o apoio brasileiro ao desenvolvimento socioeconômico de seus vizinhos, política que foi alvo de críticas durante seus mandatos anteriores.
Para críticos, o Brasil teria sido muito leniente em acordos para construir nova linha de transmissão de energia elétrica para Assunção, em negociações sobre gás natural com a Bolívia e na concessão de empréstimos do BNDES para parceiros latino-americanos.
“Um país do tamanho do Brasil, que faz fronteira com quase todos os países da América do Sul, tem que dividir seu crescimento econômico com seus parceiros. Não dá para imaginar um país rico cercado de países pobres por todos os lados”, disse o presidente brasileiro.
De acordo com o novo diretor-geral da Itaipu Binacional Ênio Verri, a empresa deve retomar investimentos em áreas sociais e no contato com países vizinhos.
“Lula recomendou focar na integração regional, que é a paixão dele”, disse Verri em entrevista ao Valor Econômico.
“Ele também pediu para retomar o que ficou parado por seis anos, que é o atendimento da população de toda aquela região”, completou Verri.
De acordo com Bressan, o governo Lula deve retomar a agenda ambiental de Itaipu e a finalização do projeto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná.
“O novo governo promete maiores investimentos na região […] e nos países vizinhos, utilizando os recursos de Itaipu”, declarou Bressan.
Para atingir esses objetivos, Itaipu deve garantir taxas de lucros sustentáveis e coordenação entre seus diretores brasileiros e paraguaios.
“O tratado entre os dois países é um acordo civilizatório. Provamos que é possível fazer acordos binacionais e definir regras que beneficiem os dois países”, concluiu o presidente Lula durante seu discurso em Itaipu.
No dia 16 de março, Lula esteve presente na cerimônia de posse do novo diretor-geral da hidrelétrica binacional Itaipu.
O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e os chanceleres de ambos os países também marcaram presença no evento realizado na sede da empresa.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com o presidente da República do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e Ênio Verri no Cineteatro dos Barrageiros , em 16 de março de 2023
No dia 28 de fevereiro, Itaipu quitou a última parcela de sua dívida de construção após 50 anos. A quitação não só torna a empresa amortizada, mas também exime o Paraguai do compromisso de vender seu excedente energético exclusivamente à parte brasileira.
Ana Lívia Esteves