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‘Potência naval no Atlântico Sul’: protagonismo da Marinha do Brasil pode crescer com apoio do BRICS

Marinha do Brasil

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas destacam que o poderio naval da Marinha do Brasil supera o de alguns países da OTAN, e sinalizam que o país pode se fortalecer ainda mais no setor com o apoio de países parceiros do BRICS, como Rússia e China, que se destacam no setor em nível global.

Um ranking divulgado em janeiro pelo Diretório Mundial de Navios de Guerra Militares Modernos (WDMMW, na sigla em inglês) analisou o poderio naval de 39 países, com base não na quantidade de embarcações, mas na modernização, logística e capacidade de defesa das respectivas frotas navais.
Os Estados Unidos lideram a lista, seguidos de China, Rússia, Indonésia e

Coreia do Norte. O Brasil, por sua vez, figura na 25ª posição, sendo o líder no recorte latino-americano, seguido pela Argentina (33ª), únicos representantes da América Latina no ranking.]

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas destacam como o Brasil pode aprimorar sua frota naval e como parceiros do BRICS presentes no ranking, como Rússia e China, podem contribuir para o fortalecimento da frota naval brasileira.

Doutora em história, política e bens culturais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestre em estudos marítimos pela Escola de Guerra Naval (EGN), Jéssica Gonzaga destaca que a posição brasileira no ranking coloca a Marinha do Brasil à frente de frotas de países que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

“Inclusive, conforme essa agência [WDMMW], estamos acima da Marinha de Portugal, que ocupa o 26º lugar e é integrante da OTAN. Sob o prisma quantitativo, o Brasil não se encontra entre os primeiros colocados por optar por um desenvolvimento qualitativo, ou seja, navios de maior capacidade dissuasória, como o navio multipropósito Atlântico e submarinos convencionais e de propulsão nuclear.”

Ela acrescenta que a Marinha do Brasil tem como objetivo estratégico “a negação do uso do mar, o controle de áreas marítimas e a projeção de poder, buscando impor uma estratégia de segurança marítima através da dissuasão”.
“Nessa empreitada, a Marinha busca um desenvolvimento desigual e conjunto, buscando executar diversos projetos de modernização do poder naval.”

Jéssica lista como exemplos de projetos: o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), criado em 2008, que trouxe como resultado até o momento a incorporação dos submarinos convencionais Riachuelo e Humaitá, enquanto o submarino nuclear Álvaro Alberto encontra-se em processo de construção; e o Programa Fragatas Classe Tamandaré, cujo objetivo é a construção de navios de escolta.

“É considerado um projeto relevante [o Programa Fragatas], tendo em vista que é gerenciado pela Emgepron — Empresa Gerencial de Projetos Navais — e executado pelas empresas Thyssenkrupp Marine Systems (Alemanha), Embraer Defesa & Segurança e Atech. Atualmente espera-se o lançamento ao mar da primeira fragata ainda para o ano corrente”, explica Jéssica.

Ela lista ainda a construção do navio polar Almirante Saldanha, para atuar na Antártica, através do convênio entre a Emgepron e a Polar 1 Construção Naval SPE Ltda. — Sociedade de Propósito Específico constituída pelos estaleiros Jurong Aracruz Ltda. e SembCorp Marine Specialised Shipbuilding (SMSS) PTE. LTDA; e o Projeto Sisgaaz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul), para realização do monitoramento e controle das águas jurisdicionais brasileiras.

“Portanto, verifica-se que existe um pensamento naval estratégico associado à modernização da força, a fim de deixar um legado para a Defesa do país.

Não obstante, diversos são os desafios a serem superados para a execução desses projetos, entre os quais destacamos: a ausência de tecnologia nacional, implicando na dependência de tecnologia e mão de obra estrangeiras; a dificuldade em garantir continuidade de investimentos conforme a modificação dos governos; [e] a ausência de uma consciência nacional da importância dos investimentos na Defesa do país, principalmente a compreensão sobre como a Estratégia de Defesa está relacionada com a Estratégia de Desenvolvimento; além de crises econômicas e políticas enfrentadas no Brasil.”

A especialista também destaca o protagonismo da Marinha do Brasil no âmbito regional e cita parcerias e treinamentos realizados em conjunto com outros países.

“A Marinha do Brasil enviou à Colômbia uma Equipe Móvel de Treinamento pertencente aos Fuzileiros Navais para realizar o Curso de Unidades Militares Ribeirinhas da ONU; ao México, foram enviadas oficiais da Equipe Móvel de Treinamento do Centro de Operações de Paz de Caráter Naval da Marinha do Brasil para capacitar os militares mexicanos na atuação como conselheiras de gênero.

Portanto, é evidente o papel internacional desempenhado pelas forças navais brasileiras e seu protagonismo regional no incentivo à integração e ao desenvolvimento conjunto das demais marinhas do continente.”

O que a Marinha faz na Amazônia?

Jéssica ressalta que “a defesa da Amazônia é estratégica para a defesa da soberania, o patrimônio e a integração nacional”.

“A presença da Marinha do Brasil através da Flotilha do Amazonas é um meio não só de projeção de poder a fim de neutralizar potenciais ameaças na região, como o narcotráfico, e garantir a defesa das fronteiras, mas também possui um caráter humanitário.

A população ribeirinha depende da presença militar, sobretudo do Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, para obter acesso a serviços básicos como consulta médica e odontológica […]”, explica Jéssica.

Ela acrescenta, no entanto, que a crise política vivenciada desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, contribuiu para atrasos nas entregas dos meios navais.

Ademais, ela sublinha que os atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com “evidências de possível participação dos oficiais-generais, corroborou para uma crise nas relações civis-militares no Brasil, e infelizmente pode haver consequências na execução dos projetos estratégicos”.

“No que se refere à Marinha do Brasil, é interessante analisar que o novo Comando da Marinha adotou políticas de marketing a fim de retomar o diálogo com a sociedade civil. Ficou evidente na campanha publicitária ‘#ahseeufossemarinheiro’, trazendo diversos indivíduos da sociedade civil para declarar o que eles fariam se fossem marinheiros.

Outro fator é seu slogan atual: ‘Brasileiros, rumo ao mar’. É outra estratégia para garantir o desenvolvimento da consciência nacional sobre a importância dos assuntos de defesa e, consequentemente, garantir apoio político e social aos seus projetos.”

Como parceiros do BRICS podem contribuir para a força naval do Brasil?
Parceiros do Brasil no BRICS, Rússia e China ocupam o top 5 do ranking e possuem não apenas uma frota naval grande, mas moderna e de alta tecnologia.

Em entrevista à Sputnik Brasil, Matheus Bruno Pereira, mestrando em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de Sudeste Asiático no Núcleo de Avaliação da Conjuntura e Boletim Geocorrente, da Escola de Guerra Naval, destaca que o setor naval é crítico para ambos os países, por conta da conjuntura geopolítica.

“É importante observarmos a situação que ambos os países vivem há décadas: um estado de alerta e sensação de ameaça iminente”, explica o pesquisador, destacando a tentativa da OTAN de cercar a Rússia e a “presença estadunidense histórica na Ásia”. Segundo ele, “o bloqueio ao acesso desses países ao mundo exterior via transporte marítimo teria consequências de grande proporção”.

“Portanto, as situações desses países, em seus respectivos tabuleiros regionais, deram um peso extra para uma maior valorização e justificativa da estratégia para o fortalecimento de suas esquadras, focando principalmente ações regionais e preservar suas reivindicações territoriais, já que é algo decisivo para a capacidade de extração de recursos do mar e o recebimento de fluxos de produtos que chegam via comércio marítimo”, complementa.

Melissa Rocha

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