Lula sabia, Lula não sabia… Qual a diferença? O que ficou para a sociedade foi o grande sacolejo causado pela votação da proposta de emenda à Constituição (PEC), que colocou limite nas ações do Supremo Tribunal Federal, e a hora inapropriada de entrar em pauta, embaralhando ainda mais a cena política.
Foi o presidente Luís Roberto Barroso que ao ouvir os primeiros acordes dessa conversa (13/11) alertou, em seminário realizado por um jornal tradicional paulista: “não é o momento de estabelecer mandatos para integrantes da corte” e que a “monocratização de decisões já foi resolvida por meio de resoluções aprovadas na gestão da ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro”.
Segundo ele, “a revisão de decisões do Supremo é democraticamente inaceitável, é um modelo da Constituição ditatorial de 1937. Em nenhum país democrático você tem decisões do Supremo revista pelo Congresso, mas o debate é legítimo e o Congresso é o lugar de isso acontecer”.
A votação aconteceu e o que mais se discute não é o mérito do seu conteúdo. O que veio a público já em ponto de fervura foi a concretização do alerta de Barroso. Não era hora. Não prestou.
A bancada petista foi para um lado, puxada pelo líder do Congresso, o senador Randolfe Rodrigues, três senadores foram para outro – porque ouviram falar que Lula estava se aproximando do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco -, e que esses “votinhos” não alterariam o “todo” e ainda passariam um recado positivo para Pacheco.
Como diria o nosso filósofo Mané Garrincha, faltou combinar com os russos. No frigir dos ovos Lula ficou aborrecido (publicamente) com Jaques Wagner, os ministros do Supremo Tribunal Federal se encolerizaram com o governo, e questões seríssimas em andamento foram abaladas pelo entrevero.
Nada que um jantar e afagos não atenuasse, mas isso é apenas algumas pinceladas de mercurocromo. As feridas estão lá. E tanto podem responder bem ao paliativo, quanto podem infeccionar e vir a público, purulentas e de recuperação prolongada. Uma delas, de efeito imediato.
Houve um tempo em que as figuras que compunham o corpo de servidores do governo na área jurídica eram anunciadas tão logo o cargo vagasse, ou pouco tempo depois. (Não se ficava sabendo dos arranjos.
E mesmo que o jogo se desse assim, o respeitável público era poupado das idas, vindas e vacilações).
A escolha do Procurador Geral da República – PGR -, figura central em situações que podem envolver inclusive o presidente da República de plantão, estava quase anunciada, mas ficou sob impedimento, graças a uma avalanche de protestos desfechada por segmentos da sociedade organizada – a saber, dentre eles os familiares dos desaparecidos, contra o nome de Paulo Gonet.
Lula é sensível ao tema, pois sabe bem que sua entrada na política se deu não só pela liderança à frente do sindicato dos metalúrgicos, mas ancorada pelos “retornados”, graças ao movimento de anistia e pela organização dos que perderam parentes na luta pela redemocratização.
Paulo Gonet, no passado, votou contra causas afeitas aos familiares, mas está sendo apadrinhado pelos ministros do STF, Gilmar mendes e Alexandre de Moraes.
No passado só ficava-se sabendo depois, desses apadrinhamentos. A decisão, para todos os efeitos, era do presidente da República, que respeitava ou não os indicados em uma lista tríplice. Agora esse mimimi vazou e contaminou a escolha.
Não só. Ficou muito pior depois da tal votação da PEC. Paulo Gonet passou a ser moeda de apaziguamento do STF, no tal jantar pós voto do Jaques Wagner.
Lula que já estava quase convencido a deixar de lado a escolha/encrenca – pois o colocaria contra, por várias gerações, os familiares dos desaparecidos políticos e os seus descendentes -, foi compelido a rever posição.
A escolha do PGR, que já estava para lá de atrasada e postergada, em nome da acomodação da própria vontade do presidente, das susceptibilidades de segmento caro para a sua história, foi colocada de volta em pauta e avaliada.
Lula espera recuperar por aí o bom clima com os ministros do Supremo e decidiu anunciá-la, pelo que se diz, nesta segunda 27/11, quando embarca para Riade, na Arábia Saudita. O imbróglio da PEC pariu Paulo Gonet na PGR.
O presidente viaja anunciando o apadrinhado dos ministros – terrivelmente ofendidos – Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, e levando no bolso do colete o nome de Flávio Dino, a ser indicado para o STF, na volta, já em dezembro. Restou, porém, um ponto oculto nessa história toda.
Os processos contra Jair Bolsonaro, caminhando a passos largos para levá-lo à prisão, entrou em ritmo de “tartarugagem”, bem como as implicações dos mandantes, financiadores e peixes graúdos do meio militar, de um crime que, para variar, será esquecido: o atentado contra o estado de direito.
Golpes no Brasil viram manchetes, depois dissertações de mestrado, teses de doutorado e, anistia consentida. Foi esse, o legado de Rodrigo Pacheco e seus arroubos.
Satisfeito, Pachecão?
E o que se faz com o grito do povão: “Sem anistia”?
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF