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Guedes no paraíso, o povo no inferno

Guedesa no paraíso e o povo mo inferno

Olá! Bolsonaro está sobrevivendo à CPI e ao impeachment. Paulo Guedes conta com a imprensa para sobreviver ao Pandora Papers. Enquanto para os mais pobres, restam apenas ossos e pés de galinhas.

.Salve-se quem puder. Basta que a cortina de fumaça golpista baixe, para ficar evidente aquilo que sempre soubemos: o Brasil não tem governo.

A fome deve ser o grande legado deixado por Bolsonaro ao país, com o número de famintos aumentando 85% em dois anos. Atingimos o menor consumo de carne em quase três décadas e, além das disputas por ossos, a BBC identificou o novo símbolo das refeições brasileiras: o aumento do consumo de pés de galinha.

As tempestades de poeira, anunciando as crises hídrica e elétrica, completam o cenário apocalíptico. Os sinais são tão fortes que até os investidores estrangeiros entenderam a gravidade, retiraram só em setembro R$5 bilhões da bolsa, e nem o leilão de áreas petrolíferas conseguiu atraí-los para o Brasil.

Ou seja, não prevêem nenhuma recuperação da nossa economia a curto prazo, como comprovam a queda da indústria e do comércio.

A melhor notícia que a equipe econômica consegue dar é de que a inflação deve ficar em “apenas” 8,5% até o fim do ano. De Posto Ipiranga, aquele que solucionaria tudo, Paulo Guedes é, há muito, parte dos problemas do governo.

O ministro não faz ideia de onde tirar recursos para o novo Bolsa Família que Bolsonaro precisa para reeleger-se, não sabe como baixar o combustível sem mexer na política de preços da Petrobras alinhada ao mercado internacional e nem como reduzir o preço dos alimentos sem comprar briga com o agronegócio.

Preso no próprio labirinto neoliberal, resta à Guedes fazer mais promessas na esperança de que alguém acredite.

Microscópico. O currículo de fracassos do ministro, porém, é ainda maior.

Em três anos, Guedes perdeu o controle da inflação e do câmbio, perdeu a credibilidade com o mercado e o controle das reformas para o Congresso e não conseguiu cumprir a promessa de tornar o Brasil membro da OCDE.

Irrelevante, Guedes continuará ministro por falta de opções, constata Thomas Traumann. Como se não bastasse a incompetência, ele e o presidente do Banco Central Campos Neto se viram nesta semana no centro das denúncias dos Pandora Papers, a investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), sobre personalidades que omitiram contas em paraísos fiscais, apesar da relevância de seus cargos.

É verdade que a imprensa saiu em socorro dos dois pilares da equipe econômica, passando o pano desavergonhadamente e lembrando que não há nada de ilegal nisso.

O que é compreensível, já que os barões da mídia brasileira também guardam suas fortunas em paraísos fiscais.

Mas como lembra o escracho do MST ao ministro, é difícil negar o caráter antiético em ganhar  pelo menos R$14 milhões graças à política cambial comandada por ele mesmo.

Mais do que isso, Guedes se empenhou pessoalmente em retirar a taxação sobre este tipo de movimentação da reforma tributária.

E esse pode não ser o único caso. O Relatório Reservado levanta a suspeita de que o ex-sócio de Paulo Guedes no BTG Pactual possa ser o grande beneficiado da campanha do ministro por transformar parte dos precatórios em moeda de privatização.

Com tudo isso, até mesmo o centrão apoiou a convocação de Guedes para dar explicações na Câmara e no Senado, uma forma nada sutil de tentar convencer o ministro a liberar recursos para emendas parlamentares, além da possibilidade de abertura de uma CPI e dos pedidos de investigação na Procuradoria Geral da República e no Tribunal de Contas da União.

.Quer impeachment? Prepare-se para as eleições.

Nem a pandemia nem a desastrosa política econômica de Guedes foram capazes de mobilizar massas contra o governo.

Esta vinha sendo a aposta da esquerda desde que voltou às ruas no final de maio, quando a queda de popularidade de Bolsonaro e as revelações bombásticas da CPI da Covid faziam crer que bastava um empurrão para que saísse um impeachment.

Agora o cenário é outro. Segundo Igor Santos, as manifestações do último sábado (2) mostram um esgotamento da capacidade de mobilização da esquerda, que não conseguiu ir além dos setores médios progressistas e dos estudantes.

Parte do problema, observa Valério Arcary, deve-se à perspectiva de que a solução dos problemas virá com as eleições, ideia que é reforçada pelo equívoco de Lula em não participar dos atos.

Afinal, a ausência de Lula passa uma mensagem de que, no momento, protestos e eleições são caminhos divergentes.

A mesma contradição vive a tal da frente ampla com a centro-direita, que em tese estava junto nos atos do dia 2, mas que na prática não contribuiu nem para colocar gente na rua, nem para consolidar uma aliança eleitoral.

Pelo contrário, a centro-direita continua querendo distância de Lula, enquanto uma candidatura de Sérgio Moro é vista como sinal de desespero ou como uma aposta de que a revisão da Lei de Improbidade Administrativa e outras medidas de blindagem da classe política podem reacender o espírito lavajatista adormecido na direita.

Do outro lado, apesar da recusa de Gilberto Kassab em fazer parte de uma aliança, as conversas são mais promissoras.

Lula reforça sua aliança com a centro-esquerda, conversando sobre o impeachment com o PSOL, e discutindo apoios a candidaturas estaduais com o PSB, como a de Márcio França em São Paulo e de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro.

Como se vê, mesmo quando impeachment e eleições andam juntos, é em torno das candidaturas que as alianças decisivas vão se estabelecendo.

.A gente vai levando. Apesar de tudo, quem tem o que comemorar é Bolsonaro.

Em primeiro lugar porque a CPI que tinha tudo para desgastá-lo está chegando ao fim.

Em sua última semana de depoimentos, a Comissão voltou-se para a conduta criminosa dos planos privados de saúde, como o Prevent, e o governo acabou saindo do foco.

Por outro lado, os senadores divergem sobre os crimes a serem imputados a ele, como charlatanismo e genocídio, e relatórios paralelos dos governistas e da oposição estão sendo elaborados. Além disso, a redução do número de casos e mortes no país pela pandemia consolida um cenário de aparente normalidade, como mostram as propostas de flexibilizar a obrigatoriedade do uso de máscara no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Ou seja, o pior já passou e Bolsonaro sobreviveu. Em segundo lugar, ele pode respirar aliviado porque, ao que parece, Lula e o PT continuam sendo o maior medo dos militares e do agronegócio.

E, por fim, o novo “best friend” Arthur Lira não tem poupado esforços para tornar a vida do amigo mais tranquila, abrindo caminho para uma possível filiação ao PP, o que poderá fortalecer a legenda para enfrentar a concorrência com o novo super-partido, o União Brasil, fruto da fusão de PSL e DEM.

Ou seja, mesmo que lideranças do centrão falem em uma possível derrota de Bolsonaro em 2022, ninguém ainda está disposto a abandoná-lo.

Com tudo isso, e percebendo que a versão de estadista moderado ensaiada após 7 de setembro não mobilizou suas bases, Bolsonaro se sente à vontade para voltar ao que faz de melhor: negacionismo e ameaças.

Em encontro com pastores em Brasília, ele voltou a atacar os membros da CPI, defendeu o “tratamento precoce” e reafirmou a indicação de André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”, ao STF.

O cenário parece estar tão tranquilo que Bolsonaro até se prontificou a depor presencialmente no inquérito que apura possível interferência na Polícia Federal.

Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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