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O dinheiro nunca dorme. Mas vive um pesadelo

O DINHEIRO NÃO DORME

O título do filme de Oliver Stone é muito bom para definir o que foi – e está sendo, ainda – o Natal nos mercados financeiros internacionais.

A Bolsa de Nova York teve, sexta feita, a décima maior perda em pontos de sua história: 653 pontos, num pregão de apenas três horas. 2,9% de perdas num só dia não chega a apavorar, em padrões brasileiros, mas por lá é algo muito raro, raríssimo. Pior: com um volume de negócios praticamente igual ao de um dia normal de negócios.

Dois acontecimentos surreais marcaram o pregão: primeiro, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, telefonou aos presidentes dos maiores bancos norte-americanos para negar que Donald Trump estivesse planejando demitir Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve, o BC de lá; em seguida, o próprio Trump tuitou que a tudo ia muito bem e que o único problema da economia era o próprio Fed, querendo subir a taxa de juros.

As únicas bolsas de valores que abriram hoje, as do Japão e da China – na Ásia, o Natal chega um dia mais cedo – deram sequência à queda de Nova York e os japoneses, de forma intensa: queda de 5% no índice Nikkei, o Ibovespa deles.

Uma das regras básicas de análise de mercado financeiro é não crer com muita fé em infernos ou paraísos.

O que gera alguns “pequenos problemas”: quando eles vêm, poucos os esperam , mas quando muitos esperam, eles provavelmente virão.

A taxa de juros do Tesouro americano, em 2018, variou no sentido daquilo que os economistas chamam de “curva plana”, quando os juros de curto prazo vão se aproximando dos de longo prazo e indicam a passagem da economia de um ciclo de expansão para um momento recessivo.

Em janeiro, os juros oficiais eram de 1,3% para títulos de 30 dias e de 2,9% para papéis de 10 anos. Na segunda feira, os de curtíssimo prazo passaram a 2,42% e os para uma década para 2,74%.

É a isso que em “economês” se chama “aversão ao risco”: o dinheiro vai procurar a segurança dos títulos – especialmente os de curto prazo – do Tesouro dos EUA. E, portanto, deixam os mercados de maior risco, como os emergentes.

Tenho escrito aqui, diversas vezes, que a aposta da economia brasileira – e faz tempo – tem sido, ao contrário, a entrada de capital, diante da incapacidade do governo de impulsionar investimentos com seus recursos, num quadro de déficit que tende a se agravar se o crescimento da atividade econômica não compensar as desonerações que o novo governo diz – ao menos, é o que diz – irá implantar.

Compensar isso pelo maior saldo comercial também não parece, neste momento, provável: a Associação de Comércio Exterior brasileira, em boletim de há dez dias, previu queda no preço das commodities, inclusive nas nossas maiores pautas de exportação: ferro (-5,9%) e soja (-5,5%). Tudo, claro, a ver como fica a guerra comercial EUA-China.

Ainda estamos longe de poder caracterizar como recessão o que vem por aí, até porque se sabe o quanto há de teatral nas atitudes de Donald Trump.

Mas é bom já ir pondo as barbas de molho, porque expansão é, hoje, o menos provável prognóstico para o cenário econômico.

FERNANDO BRITO

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