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O grande dilema brasileiro: entre a exportação primária e a industrialização

Brasil e o dilema industrial

O Brasil tradicionalmente ocupa um espaço bastante determinado no comércio internacional, a saber, como país importador de manufaturados (cerca de ¼ do total das importações brasileiras nos últimos anos foram compostas por máquinas) e fornecedor de commodities para os mercados globais.

A título de exemplo, cerca de 20% de todas as exportações brasileiras são compostas por produtos primários, concentrados principalmente em petróleo e minério de ferro. Todavia, de tempos em tempos esse perfil econômico do país suscitou arrazoada preocupação por parte da liderança brasileira a respeito de sua inserção no mundo.

Afinal, o Brasil tem uma dimensão continental, uma expressiva população e uma economia que o credenciaria a desempenhar papel de maior relevância nos assuntos globais.

Com o passar do tempo, no entanto, a fixação do papel histórico do Brasil como exportador de commodities aos países economicamente mais avançados, seja Estados Unidos, Alemanha, ou mais recentemente a China, acabou vinculando o seu crescimento econômico ao desempenho dos países desenvolvidos, além de desincentivar processos de industrialização no âmbito doméstico.

A relativa bonança em períodos de boom nos preços das commodities no mercado internacional não raro culminaram numa situação de dependência do país quanto à exportação de matérias-primas.

Não obstante, o ocasional desinteresse do Estado (manifestado por sua classe política sobretudo) no desenvolvimento de setores mais dinâmicos – e tecnologicamente mais modernos – da economia, fez com o que o Brasil tivesse dificuldade de reimaginar o seu papel no mundo.

Compete lembrar que o crescimento econômico do Brasil desde o começo dos anos 2000 baseou-se – em razoável medida – no comércio de commodities para a China.

Com isto, o país tornou-se não somente suscetível a flutuações nos preços internacionais do petróleo e do minério de ferro (como frequentemente acontece), como também se tornou suscetível à eventual diminuição nas taxas de crescimento da própria China, seu principal parceiro comercial.

Com efeito, este tem sido um dos principais dilemas brasileiros ao longo de sua história, a saber, conciliar sua posição enquanto exportador primário com o desejo pela industrialização do país.

Por certo, este dilema não é algo que toca somente ao Brasil, mas que também afeta diversos outros países do sistema internacional desde a segunda metade do século XIX e princípio do século XX. Foi durante esse período que a nascente divisão internacional do trabalho configurou o mundo entre países industrializados e países agroexportadores.

Na época do Brasil Império (1822-1889), a liderança nacional já se preocupava com o fato de que os acordos e tratados comerciais firmados com o Reino Unido eram de certo modo prejudiciais aos interesses do país, na medida em que dificultavam a proteção e o desenvolvimento de sua indústria.

Tal situação era explicada sobretudo pelas exigências de abertura do mercado brasileiro aos manufaturados britânicos, enquanto o café e o açúcar do Brasil tinham acesso limitado ao mercado britânico.

Já no começo do século XX, o Brasil republicano voltava a se questionar quanto ao seu papel tradicional de nação exportadora de matérias-primas, dessa vez para os Estados Unidos, que despontavam como principal parceiro comercial do país, desbancando a Inglaterra.

Enquanto isso, o Brasil consolidava-se como importador dos produtos manufaturados americanos, o que culminou por retardar seu desenvolvimento industrial e sua maior independência econômica.

Já na primeira metade do século XX, o governo de Getúlio Vargas propôs o desenvolvimento econômico do país baseado na industrialização. Com isto, dava-se sinais de que a inserção internacional do Brasil não seria mais unicamente sujeita às vantagens obtidas pelo setor agroexportador no comércio com os Estados avançados.

Interessava, todavia, aos americanos que o Brasil mantivesse seu papel de fornecedor de matérias-primas e importador dos produtos manufaturados dos Estados Unidos, numa relação claramente hierarquizada entre os dois países.

No pós-guerra, por sua vez, o governo de Juscelino Kubitschek aproveitou-se da competição internacional por mercados entre os Estados Unidos, a Europa (já recuperada economicamente) e o Japão para atrair justamente investimentos considerados necessários ao desenvolvimento da indústria nacional, sobretudo automobilística.

A priori, o Brasil forneceria matérias-primas a países como Alemanha e Japão em troca de insumos industriais e bens de capital úteis para o seu projeto de desenvolvimento.

Contudo, a principal esperança do Brasil à época era a capitação de recursos americanos para o aceleramento desse processo, o que acabou não acontecendo, tendo em vista o desinteresse dos Estados Unidos pelo desenvolvimento econômico dos países da América Latina.

Não por acaso, nas décadas posteriores da Guerra Fria (envolvendo o período da Ditadura Militar), firmavam-se em definitivo os padrões de relacionamento desigual entre o Norte (desenvolvido) e o Sul Global, composto por países insuficientemente industrializados e caracterizados (muitos deles) como meros exportadores de matérias-primas aos países europeus e norte-americanos.

Seja como for, os países latino-americanos ainda enxergam a industrialização como fator essencial para o ganho de autonomia econômica e política no cenário global.

O Brasil, em vista disso, ao longo de sua história tentou por diversas vezes repensar o seu papel no mundo, no intuito de modificar seu perfil comercial primário e tornar-se uma nação economicamente mais dinâmica e avançada.

Diante desse contexto, o Brasil de hoje poderia usar suas relações com a China, que se tornou referência no processo de transferência de tecnologias para o Sul Global, no intuito justamente de desenvolver sua infraestrutura e de dar novo folego a suas indústrias, promovendo uma tão sonhada diversificação de sua economia.

Quem sabe assim o Brasil não consiga resolver seu dilema que já dura décadas, ampliando sua autonomia nas relações internacionais, e tornando-se enfim o “país do presente” e não mais o “país do futuro”.

Valdir da Silva Bezerra

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