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Monopólio da Verdade: Saiba por que Brasil deve ficar de olho no julgamento contra Google nos EUA

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Julgamento sobre práticas ilegais do Google para manter seu monopólio no mercado de buscas atesta que cidadãos e consumidores estão reféns de grandes empresas de tecnologia dos EUA. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber como o Google de fato estabeleceu seu domínio e o que o Brasil tem a ver com isso.
O Departamento de Justiça dos EUA iniciou um processo contra a gigante de tecnologia Google, acusando-a de cometer práticas ilegais para garantir sua posição monopolista no mercado de buscas.
Os resultados do julgamento poderão definir o futuro das gigantes de tecnologia e bases relevantes para a regulação de empresas de Internet.
A acusação alega que o Google teria abusado de seu poder econômico para impedir que internautas norte-americanos utilizem sistemas de busca alternativos.
Como resultado, o Google controla cerca de 90% da fatia do mercado de buscas dos EUA.

O Google é acusado de selar acordos com fabricantes de dispositivos e sistemas operacionais, como Apple e Samsung, para garantir que seus produtos fossem pré-instalados nos smartphones e configurados como de uso padrão.

Para garantir esse privilégio, o Google pagaria entre US$ 8 bilhões e US$ 12 bilhões (entre R$ 39 e R$ 59 bilhões) por ano para a Apple, o que representa entre 17% e 26% de toda a receita da fabricante do iPhone, alega o Departamento de Justiça norte-americano.

O Google também é acusado de manipular os anúncios de seus concorrentes no seu mecanismo de busca, isto é, caso o internauta busque empresas alternativas para realizar suas pesquisas, o Google diminuirá o alcance de anúncios para evitar a migração do consumidor.

“Essas práticas, juntas, garantem um efeito em cascata que favorece o Google. Ao comprar um celular, o consumidor recebe um ambiente moldado para que eles façam as buscas com o Google e, ao buscar alternativas, encontra dificuldades”, disse o pesquisador do CNPq e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ergon Cugler à Sputnik Brasil.

Para ele, trata-se de um “movimento coordenado de fechar acordos de exclusividade e manipular os leilões de anúncio dos concorrentes, que impõe barreiras para que concorrentes não entrem no mercado de buscas”.

Seja na Internet ou fora dela, a formação de monopólios é considerada nociva para a atividade econômica e para os consumidores, explicou o professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Milton Pignatari.

“O monopólio pode se caracterizar pelo comércio abusivo, que consiste em um indivíduo ou grupo tornar-se único possuidor de determinado produto e, pela falta de competidores, poder vendê-lo por um preço exorbitante”, disse Pignatari à Sputnik Brasil.

Nesse contexto, um dos principais problemas gerados pelo monopólio é a eliminação da concorrência, que retira do consumidor o seu poder de escolha.
“O monopólio geralmente não favorece os consumidores.

A empresa monopolista pode simplesmente ignorar a racionalidade na formação de preços e […] pela falta de competição […] forçar o consumidor a continuar consumindo da mesma empresa”, explicou Pignatari. “Consiste em conceder privilégio a poucos, a um alto custo para muitos.”
O algoritmo monopolista
A defesa do Google alega que a sua posição monopolista no mercado norte-americano foi possível graças à qualidade de seus produtos e algoritmos, supostamente superiores aos da concorrência.

No entanto, o sucesso de um mecanismo de buscas depende justamente do seu número de usuários e volume de atividade. Quanto mais buscas, mais informações são geradas para otimizar os algoritmos, explicou o pesquisador Cugler.

“O Google desenvolveu bons algoritmos justamente por ter uma posição monopolista”, disse Cugler.

“Quando o Google tem usuários fazendo perguntas, utilizando seu mecanismo de busca e interagindo com as páginas, ele absorve dados que são transformados em informações, utilizadas para otimizar seus algoritmos, a experiência dos usuários e estratégia de anúncios.”

Os danos causados pelo estabelecimento de um monopólio no mercado de buscas não se resumem à esfera econômica, interferindo diretamente no debate social e político.

“A concentração e o monopólio de uma única empresa em relação ao mecanismo de busca significam que essa empresa tem basicamente o monopólio da verdade”, asseverou Cugler.

Para ele, “os mecanismos de buscas não são neutros” e boa parte das tecnologias que utilizam algoritmos “são revestidas de interesses econômicos e políticos específicos”.

“Vimos a capacidade das grandes empresas de tecnologia de manipularem algoritmos na Internet durante o debate sobre o Projeto de Lei 2630 [que instituiria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet]”, lembrou o pesquisador da FGV.

“Nessa ocasião, as empresas faziam com que postagens que iam contra seus interesses fossem desengajados, com impacto direto na nossa realidade.”

Nesse contexto, emerge o debate sobre a regulamentação de empresas do porte do Google não só nos EUA, mas também no Brasil. Para o economista Milton Pignatari, a regulação e intervenção do Estado em casos de monopólio deve ser proporcional ao dano que este causa ao comércio e aos consumidores.

“Como é o Estado que decide a quem dar a concessão de determinado serviço causando uma monopolização em determinado setor econômico, ele pode agir também no sentido contrário, pensando no bem-estar de seus cidadãos e intervindo para frear esse desequilíbrio”, considerou Pignatari.

Porém, o próprio poder de monopólio de empresas como o Google dificulta sobremaneira a imposição de regulação por parte do Estado e da sociedade, alerta Cugler.

“É um grande desafio regular empresas com poder de monopólio tão grande. Já vimos que, quando projetos de lei são apresentados, […] essas empresas reagem com uma força muito grande contra a regulamentação”, disse Cugler.

O caso EUA et al. vs. Google é o primeiro julgamento sobre monopólio movido pelo governo norte-americano na era da Internet e deve durar cerca de dez semanas. Durante o processo, serão ouvidas testemunhas e apresentados documentos internos do Google obtidos pelo Departamento de Justiça dos EUA.

A decisão será emitida pelo juiz Amit Mehta, sem a participação de júri popular.
cljornal

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