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‘O QUE ACONTECEU NO ES PODE SE ESPALHAR PELO PAÍS NÃO SÓ NA SEGURANÇA’

Deputado Givaldo Vieira faz uma perigosa previsão

Um movimento iniciado por esposas de policiais militares no Espírito Santo, reivindicando 20% de reajuste salarial imediato e 23% escalonado, resultou em oito dias sem policiamento nas ruas, registro de 147 homicídios, restrição de circulação de ônibus e fechamento e prejuízo do comércio na última semana.

Na tarde deste sábado 11, 875 PMs retornaram ao trabalho. O governo federal enviou 300 homens da Força Nacional para comandar a segurança durante a ausência da polícia local – 200 chegaram na segunda-feira 6 e outros 100, na quarta 8. Segundo o governo federal, mais de 3 mil homens atuam em todo o Espírito Santo.

Na sexta-feira 10, uma reunião de mais de dez horas terminou sem acordo entre secretários do governo e mulheres do movimento. Neste domingo 12, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse que a crise no Estado está “superada”, apesar de a greve da PM continuar.

O deputado federal Givaldo Vieira (PT-ES), ex-vice-governador do Espírito Santo na gestão de Renato Casagrande (PT), entre 2011 e 2014, conversou com o 247 por telefone neste domingo 12 e apontou erros do atual governo, de Paulo Hartung (PMDB), na gestão da crise, além de ter feito críticas ao governo federal.

O deputado propôs uma comissão externa na Câmara para acompanhar o caso e possivelmente intermediar um acordo entre integrantes do movimento e autoridades do Estado. No momento de colocar em votação, porém, deputados do próprio Espírito Santo consideraram que isso seria uma politização do problema e a proposta não entrou em pauta.

Confira a entrevista:

Que erros o governo do Espírito Santo pode ter cometido na condução da crise?

Acho que o governo cometeu alguns erros. Primeiro, no aspecto da previsão e do preparo para lidar com esse movimento. Já havia notícias espalhadas pelas redes sociais na semana anterior ao início do movimento e certamente o serviço de inteligência do governo já tinha informações de que isso seria iniciado. Então, eu acho que o governo deveria ter se preparado melhor para uma situação dessa gravidade.

O movimento foi subestimado, de certo forma?

Foi subestimado.

O outro erro foi que o movimento começou no sábado e coincidiu com a ausência do governador, naturalmente por uma situação de saúde, que é compreensível, mas nesse momento começou a se dar falta da PM nas ruas e a própria falta do governador aqui no Estado. E os interlocutores do governo simplesmente disseram: ‘Não negociamos com um movimento dessa natureza’. Então nós tivemos durante o fim de semana já uma situação totalmente descontrolada sem nenhuma iniciativa, sem diálogo.

A terceira questão é que o governo demorou muito a pedir ajuda. O movimento começou no sábado (4) de madrugada, e somente durante o dia da segunda-feira (6), quando a situação já estava caótica, foi que o governo do Estado pediu ao governo federal a ajuda de tropas federais.

Quarto erro que eu considero foi persistir na negativa do diálogo. O governo do Estado persistiu até a quinta-feira (9), quando depois de muitos apelos, abriu um comitê de negociação, mas que efetivamente não conseguiu avançar. Então eu acho que o governo do Estado cometeu pelo menos esses erros graves.

Neste sábado 11, o secretário de Segurança do Espírito Santo, André Garcia, declarou que é difícil lidar com um movimento “sem liderança”. Considera este um argumento plausível?

Naturalmente é um movimento difícil de lidar com ele, porque existiam associações, mas ele era protagonizado por um conjunto de mulheres, de esposas de policiais. E há uma desconexão entre diversas lideranças, mas o governo tem que estar sempre preparado para lidar com esses movimentos mais complexos e que envolvem lideranças mais difusas. Não é uma justificativa.

O senhor concorda com a análise de que o ajuste fiscal no Estado tenha prejudicado os serviços públicos e contribuído para a atual situação na segurança?

Concordo. A crise que eclodiu aqui no Espírito Santo na área da segurança é uma face mais visível, mais dura, mais assustadora do que está por vir em todo o País em função dessa onda de política de recessão, de ajuste fiscal, de cortes, que vão levando categorias de servidores públicos a uma situação de grande opressão, não só pelos salários, mas pelas condições de trabalho.

O que aconteceu no Estado pode se espalhar pelo País não só na área da segurança. Na medida em que a PEC 55 vai consolidando seus efeitos, na medida em que se efetivar a reforma da previdência da forma como está pautada, a reforma trabalhista, a partir desse conjunto de efeitos negativos sobre a população, os trabalhadores, os servidores públicos, o serviço público como um todo, nós poderemos viver num País com uma grande onda de reações violentas, que pode colocar o País num ambiente de guerra civil, de descontrole, por conta dessa política de ajuste fiscal exagerado, de cortes, que vai jogar as pessoas na pobreza e vem sucateando o serviço público.

O senhor comentou sobre ausência de autoridade no Estado, por conta da licença do governador por motivo de saúde. O senhor considera um grande impacto na gestão da crise a ausência também do ministro da Justiça?

Com certeza, o Espírito Santo está ardendo em chamas, colocou a população acuada, dentro de duas casas, enquanto o governo Temer, sua única preocupação tem sido emplacar seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, no Supremo e manobras para proteger seus auxiliares, como no caso do Moreira Franco, e o presidente sequer deu uma declaração contundente, uma solidariedade direta ao povo capixaba.

Fiz uma denúncia na tribuna da Câmara na quinta-feira acusando o governo federal de ter tratado com desprezo o caso do Espírito Santo. Eu comparei com uma outra situação que aconteceu em outubro do ano passado, que foi a greve da polícia em Pernambuco.

O Estado pediu ajuda federal, e o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que é de Pernambuco, mandou imediatamente para lá 3.500 soldados. A guerra nem chegou a ser deflagrada, e o contingente ficou lá por alguns dias. No caso do Espírito Santo, eles demoraram muito a dar uma resposta, foram enviando tropas a conta gotas, em um número inexpressivo, o que com certeza provocou o sacrifício de vidas e prejuízos psicológicas das pessoas, apavoradas, não funciona nada no Estado.

Depois de muita insistência nossa, eles mandaram 80 homens da Força Natural do Rio na segunda à noite. Depois de muita insistência também mobilizaram cerca de 220 homens do Exército local, que foram para as ruas, e na terça-feira chegou um grupamento de 120 de Brasília e somente na quarta à noite chegaram 600 soldados, quando o Espírito Santo ficou então com um total de 900 soldados.

Hoje fala-se que temos 3.130 homens em todo o Estado. Mas como a polícia está completamente ausente, é um número é insuficiente. E demoraram muito pra dar a resposta. Houve omissão, negligência. Não era o Estado do ministro da Defesa. Isso custou gravíssimos prejuízos aos capixabas.

Isso foi um atentado ao Espírito Santo, atentado contra o Brasil e alimenta a possibilidade de um movimento nacional. Os impactos podem ser incalculáveis.

O que representa novamente – depois do que fez com a crise dos presídios – a demora de Michel Temer em se manifestar sobre o assunto?

Representa esse descaso com o problema. Só depois de tudo em chamas aqui, com a situação extremamente grave, ele fez uma declaração tardia, que não teve nenhum resultado efetivo.

Gisele Federicce,

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