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A Síria está sendo o maior desafio enfrentado por Trump

Julie Jacobson

O presidente americano, Donald Trump, enfrenta na Síria o maior desafio de seu governo na política externa. O ditador sírio Bashar Assad lançou no último fim de semana o quarto ataque com armas químicas desde o blefe de Barack Obama em 2012 sobre a proverbial “linha vermelha” – limite além do qual haveria intervenção americana na região. Assad pagou para ver em 2013. Até agora, saiu ileso.

A omissão de Obama diante da ascensão do Estado Islâmico (EI) e sua estratégia de tentar influir à distância, por meio de títeres, abriu a oportunidade para que a Rússia plantasse suas raízes em território sírio – sobretudo na área ocidental, cujo comando Assad jamais perdeu para nenhuma das forças que tentavam derrubá-lo.

No ano passado, ele voltou a testar o Ocidente com seu ataque químico a Idlib. Trump reagiu com um bombardeio fulminante a alvos militares em Homs. Mas o regime de Assad permaneceu intocado.

Desde então, ampliou seu poder com o recuo do Estado Islâmico.

Testado agora outra vez com o ataque em Duma, Trump tem reagido por meio de sua arma predileta, o Twitter. Seu alvo é a Rússia, cuja presença em território sírio garante segurança ao regime de Assad.

Estão no ar duas questões: até que ponto as ameaças de Trump serão cumpridas e, em caso afirmativo, o que significam para a já instável região.

Se o precedente tem algum valor, o mais provável é que Trump lance algum ataque com mísseis inteligentes, como o Tomahawk. Poderá dizer que reagiu com firmeza, sem correr os riscos de uma intervenção mais ampla, de resultado incerto (os exemplos do Iraque e do Afeganistão estarão eternamente a assombrar os americanos).

Embora possa infligir perdas a Assad, um ataque dessa natureza não alteraria na essência o cenário regional. A situação se complicaria apenas se Trump atingisse alvos russos na Síria.

Nesse caso, estaria praticamente declarada uma guerra entre as duas potências militares que disputam influência no Oriente Médio.

Além de contar com o apoio russo, Assad se tornou peça essencial na esfera de influência dos aiatolás iranianos, uma espécie de eixo xiita que vai do Irã ao Líbano, passando por Iraque e Síria.

Guiadas à distância pelo Irã, as milícias do Hizbollah pressionam tanto Israel ao Sul quanto os sunitas que resistem a Assad.

Ao estreitar as relações com a Arábia Saudita e ameaçar romper o acordo nuclear com o Irã, o governo Trump mudou a estratégia de distanciamento adotada por Obama para o Oriente Médio.

Os Estados Unidos acreditam ter escolhido um dos lados numa disputa regional bem mais complicada. Agora, o outro (ou um dos outros…) reagiu.

A provocação química de Assad tenta impor seu domínio sobre o equilíbrio frágil que emergiu do recuo territorial do Estado Islâmico. Ele está em posição de força: reconquistou Alepo e a maioria dos subúrbios de Damasco.

Tanto Rússia quanto Irã alcançariam seus objetivos se Assad retomasse os 40% do território ainda em mãos rebeldes. Voltariam a contar com um aliado forte e estável, a desafiar os interesses americanos.

O recado do ataque de Assad para o Ocidente é, portanto, simples: nem Síria, nem Irã, nem Rússia tolerarão a ameaça representada pelos rebeldes sunitas, nem querem saber de tropas americanas no seu caminho. Diante disso, os Estados Unidos têm basicamente duas opções.

A primeira é um replay do ano passado. Nesse cenário, um ataque com mísseis provoca perdas localizadas, a poeira assenta, e Assad estará ainda mais encorajado a persistir em sua estratégia para aniquilar as forças sunitas ou, no limite, até mesmo a entrar em conflito com Israel.

A segunda opção é atrelar aos ataques um objetivo político: a queda de Assad. A aliança já existente com rebeldes na região serviria de embrião a um futuro regime.

“Por mais paradoxal que pareça, os Estados Unidos deveriam aproveitar a estabilidade relativa e e forçar uma mudança política na Síria”, escreve o analista Hassan Hassan na National.

Enquanto Assad estiver no poder, diz ele, o conflito com os rebeldes não arrefecerá. Seu argumento tem, porém, duas lacunas. A primeira é que essa mesma estratégia fracassou no Iraque, hoje fraturado entre a influência do EI, de outros grupos e do Irã.

A segunda é que falta, como diria Mané Garrincha, combinar com os russos… e iranianos. O governo Vladimir Putin não abrirá mão da influência conquistada graças aos erros de Obama. Nem o Irã, do eixo Assad-HIzbollah.

A indefinição americana e os tuítes de Trump servem apenas para inflamar as pretensões dos adversários. A ameaça de intervenção afasta russos e iranianos de qualquer tipo de negociação, ao menos por enquanto. A guerra persistirá, sem que haja no horizonte sinal de alívio para o sofrimento do povo sírio.

Helio Gurovitz

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