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Envio de tropas de Macron poderia conter avanço russo em Donbass?

Momento difícil para a Ucrânia

Declarações de Macron sobre envio de soldados franceses para a Ucrânia seria resposta ao avanço russo em Donbass. Mas com ou sem ajuda externa, Kiev enfrentará um ano difícil militar e politicamente, dizem especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Forças da OTAN estão presentes no território da Ucrânia para a realização de diversas atividades de apoio operacional e de inteligência às Forças Armadas de Kiev, mas não participam de operações no campo de batalha, afirmaram fontes ocidentais ao jornal espanhol El País nesta semana.

“A OTAN ajuda a Ucrânia em praticamente todas as áreas possíveis, desde o fornecimento de armas, passando por informações sobre alvos russos, sobre rota de voo de bombardeiros inimigos, até o treinamento de milhares de soldados ucranianos na Europa”, escreve o jornal.

O empenho de forças dos EUA seria o mais proeminente dentre aliados da OTAN presentes na Ucrânia, afirmaram as fontes. Por outro lado, a presença de soldados da aliança no front e a sua participação em combate direto contra as forças russas não foi confirmada.

O material confirma o que Moscou já denunciava há muito tempo: o conflito ucraniano se configura como uma guerra por procuração comandada pelo Ocidente, com o objetivo de enfraquecer a Rússia, na tentativa de impor-lhe uma derrota estratégica.

No entanto, as recentes declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, sobre o envio público e direto de tropas francesas para a Ucrânia, elevariam o comprometimento ocidental nessa batalha a um novo patamar.

Macron declarou acreditar que “nenhuma opção deve ser descartada” para “garantir que a Rússia não saia vencedora desse conflito”. Apesar de tentativas de relativizar seu posicionamento, as declarações do presidente francês colocaram no debate público a possibilidade de um confronto militar direto não só entre Moscou e a OTAN, mas entre duas potências nucleares – Rússia e França.

De acordo com dados revelados pelo Serviço de Inteligência Externa da Rússia, Paris considera o envio de cerca de dois mil soldados para o território ucraniano. O chefe da inteligência russa, Sergei Naryshkin, não hesitou em apontar que tropas francesas se tornariam alvos prioritários para as Forças Armadas do seu país.

Para o especialista do Núcleo Avançado de Avaliação de Conjuntura (NAC) da Escola de Guerra Naval (ESG), Pérsio Glória de Paula, os recentes avanços russos na região de Donbass levaram líderes ocidentais como Macron a considerar o envio de tropas para a Ucrânia.

“A ideia ocidental seria enviar tropas para, em primeiro lugar, permitir que soldados ucranianos em posição de defesa se desloquem para o front e, em segundo lugar, conter o avanço russo”, disse Glória de Paula à Sputnik Brasil. “A linha de defesa mais significativa que a Ucrânia foi capaz de construir está em Donbass. Uma vez que ela seja totalmente superada pela Rússia, o avanço pode ser muito rápido.”

De fato, após a conquista da cidade de Avdeevka, em fevereiro de 2024, forças russas têm avançado de forma consistente na região de Donbass. De acordo com o jornal norte-americano The New York Times, as linhas de defesa ucranianas na região “são surpreendentemente fracas”, formadas por trincheiras “esparsas e rudimentares”.

Independente do objetivo militar, o envio de tropas francesas seria uma manobra bastante arriscada por parte do Ocidente, que abriria a possibilidade de um conflito militar de grande escala com a Rússia.

“Significaria uma entrada direta no conflito. Mesmo que fosse com o intuito de obter um congelamento do conflito por meio da força, as zonas nas quais as tropas ocidentais estariam estacionadas já são zonas de combate”, considerou Glória de Paula. “E acreditar que a Rússia aceitaria um congelamento do conflito pela força é questionável.”

Por outro lado, as declarações de Macron podem sinalizar uma vontade do Ocidente de negociar uma saída para o conflito com a Rússia, em uma estratégia conhecida nas relações internacionais como “escalar para desescalar”, isto é, aumentar as tensões a fim de forçar um processo negociador que leve ao fim do conflito.

“Uma parte significativa do Ocidente já está interessada em negociar e parar o conflito. E pode haver vontade de escalar a situação para tentar obter uma posição mais favorável na mesa de negociações com os russos”, considerou Glória de Paula. “Mas seria uma estratégia arriscada.”

Segundo o especialista, a disposição de parte do Ocidente de ir para a mesa de negociações “se expressa na mudança do discurso sobre as capacidades ucranianas: se antes o Ocidente falava sobre uma Ucrânia capaz de fazer uma contraofensiva, agora declaram que a Ucrânia está em vias de colapso e precisa de tropas, admitindo uma realidade que já vigorava, mas que foi muito bem disfarçada pela guerra informacional desse conflito, que superestimava as capacidades ucranianas.”

Ano desafiador para a Ucrânia
Com ou sem a materialização das intenções de Macron, a Ucrânia deve enfrentar grandes desafios militares e políticos em 2024, acredita a professora colaboradora de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense, Raquel Missagia.

“Para a Ucrânia, o cenário é bastante complicado. Elementos como a grande dificuldade para enviar pessoal militar para a linha de frente, a redução da ajuda militar estrangeira e a falta crônica de munição, apontam para um ano muito sensível pela frente”, disse Missagia à Sputnik Brasil.

Do ponto de vista político, o presidente ucraniano Vladimir Zelensky tem dificuldades para mediar os conflitos dentro de seu governo e manter a mobilização da população civil.

“Já tivemos a mudança no comando das Forças Armadas com a demissão do [Valery] Zaluzhkin e nomeação de [Aleksandr] Syrsky, já tivemos um resultado complicado da contraofensiva do ano passado, então há um caldeirão de questões que afetaram a opinião pública local”, explicou a especialista.

Um debate especialmente difícil neste ano para os ucranianos será sobre a mobilização de novos efetivos para as Forças Armadas. De acordo com Missagia, Zelensky tem “dificuldades para mostrar para a sociedade que o país tem como armar os soldados de maneira eficiente”.

“A liderança [ucraniana] precisa convencer as pessoas mobilizadas de que eles não vão morrer rapidamente no front por estarem mal equipadas ou por não receberem treinamento adequado”, disse Missagia. “Porque esse tipo de percepção acaba levando à fuga do serviço militar obrigatório.”

Esse esforço de convencimento é dificultado pelas incertezas em relação à manutenção do apoio externo ao esforço de guerra ucraniano. Além das tensões políticas com aliados como a Polônia por questões comerciais e econômicas, a Ucrânia deve enfrentar as turbulências do ano eleitoral nos EUA, seu principal parceiro externo.

“Mas o maior problema para Zelensky é que a sociedade civil ucraniana não está mais em 2022. O sentimento de urgência da população civil está arrefecendo. Então será um ano bastante complexo para Kiev, que pode se ver em uma situação na qual precisará começar a pensar em um esforço de negociação, apesar de que ainda não haja nenhuma sinalização das autoridades locais nesse sentido”, concluiu a especialista.

Sputnik

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