o conservador jornal El Mercurio, um dos principais diários do Chile e apoiador de primeira hora do golpe militar contra Salvador Allende em 1973, dedicou uma página inteira da seção de Sociedade à lembrança de Hermann Göring, o líder nazista declarado culpado no tribunal de Nuremberg.
Na página intitulada 75 anos de sua morte: Herman Göring, o sucessor de Hitler, o jornal lembrou seus primeiros anos, sua vida pessoal, sua carreira militar, sua proximidade com Adolf Hitler e também o suicídio com cianureto graças ao qual “conseguiu burlar o enforcamento ao que havia sido sentenciado pelo Tribunal Militar Internacional”.
A matéria de efeméride destinada ao líder nazista foi questionada por políticos chilenos, pela comunidade judaica e por três candidatos a presidente do país.
Uma das primeiras em se manifestar foi a deputada constituinte (o Chile está no meio do processo para elaborar uma nova Constituição) e jornalista Patricia Politzer, perguntando:
“O que pensará a embaixada alemã deste obituário de Hermann Göring, criador da Gestapo, a polícia secreta nazista?”
Outra constituinte, Cristina Dorador, lamentou: “Uma página e meia de obituário dedicado a um dos mais horrendos criminosos nazistas. Nefastos”.
Manuel Woldarsky, também membro da Assembleia Constituinte do país, criticou:
“Desta mesma forma provocam admiração pelo opressor e raiva contra o oprimido. No Chile, o genocídio é justificado pelo setor que El Mercurio representa”.
A ativista, militante do Partido Liberal e ex-coordenadora de campanha da socialista Paula Nárvaez, Alessia Injoque, acrescentou:
“O caminho para as ditaduras e aos piores crimes se começa a construir normalizando o que é repudiável. Hoje no El Mercurio nos dão um exemplo, destacando o legado de um nazista condenado por crimes contra a humanidade no tribunal de Nuremberg”.
Outro personagem da política chilena que se referiu à matéria foi a ex-deputada Lily Pérez, que publicou no twitter: “Insólito. El Mercurio de hoje, em um artigo em Sociedade, destaca Göring, um expoente do nazismo. Pelas fotos publicadas é uma apologia”.
Nas últimas horas foi a própria embaixada da Alemanha no Chile que se referiu à publicação, em sua conta no twitter.
“Não é costume da Embaixada comentar publicamente artigos da imprensa. Só queremos deixar muito claro: Este personagem, H. Göring, cometeu crimes de lesa-humanidade e foi um dos pilares do regime nazista. Isto não deixa o menor espaço para justificar ou minimizar moral e/ou politicamente –e muito menos em termos jurídicos–seu papel nefasto durante o regime nazista e no Holocausto”.
A Comunidade Judaica do Chile também se somou às condenações contra a publicação, afirmando, em sua conta no twitter, que a página do matutino era uma “apologia ao nazismo”.
Três candidatos à presidência do Chile já se manifestaram contra a matéria. A candidata da Democracia Cristã, Yasna Provoste, se disse solidária à comunidade judaica e lamentou a “normalização dos extremismos”.
Já o candidato do Partido Republicano, José Antonio Kast, afirmou que, embora seja defensor da liberdade de imprensa, tem o direito de criticar “quando os meios se equivocam ao abrir espaço a que se relativize o horror causado por um personagem desprezível como Göring e o regime criminoso que liderou”.
Gabriel Boric, candidato da Frente Ampla, definiu como “inaceitável” o texto e uma “ofensa às vítimas do Holocausto”.
Na edição desta segunda, na seção de Cartas, o jornal El Mercurio nega ter feito apologia ao nazismo, em resposta à reclamação de uma leitora.
“Jamais foi a intenção de ‘El Mercurio‘ fazer apologia alguma nem muito menos ofender as vítimas do Holocausto. São inumeráveis as mostras ao longo do tempo de que o diário manteve uma postura crítica e condenatória ao nazismo. Também propiciou a publicação de livros no nosso selo editorial e debates sobre esta tragédia, centrando-se precisamente no sofrimento das vítimas e de suas famílias. No entanto, se muitos leitores leram esta resenha histórica da seção Sociedade da maneira como expressa esta leitora, é um erro de nossa responsabilidade que lamentamos profundamente”, disse o jornal.
Do jornal The Clinic, com tradução de Cynara Menezes