Tempo - Tutiempo.net

AS LÂMPADAS/POR ANTONIO BRASILEIRO

Antonio Brasilleiro - Foto Tribuna Feirense

Toda vez que ela chorava as lâmpadas se apagavam, uma a uma, na casa. A escuridão aterrorizava-a e a fazia chorar ainda mais, até o cansaço. Então, aos poucos, as lâmpadas iam-se acendendo, ela ia se sentindo reconfortada e quando lhe escapava o último soluço a última lâmpada se acendia. Dizia-se, por isso, uma mulher infeliz, não pela associação do choro com o apagar das lâmpadas, pois essa associação ainda não fora descoberta, mas por estar o destino a persegui-la, a fazê-la sofrer, deixando-a horas inteiras naquele escuro que tanto a amedrontava.

Às vezes o pensar na sua vida fazia-a lacrimejar um olho, mas nesses momentos havia apenas uma queda da corrente, nenhuma lâmpada se apagava por inteiro. Na maioria do tempo, entretanto, a corrente se mantinha abaixo do normal, o que se casava à sua face sombria e aos gestos como se derradeiros, de uma eterna despedida. De modo que, devido ao constante lusco-fusco da casa, reforçado pela sombra das muitas árvores frutíferas no quintal, acostumou-se ela a manter todas as lâmpadas acesas.

Um dia, no meio de uma pesada escuridão, a face encharcada de lágrimas, assustou-se subitamente com o baque de um jenipapo caído no telhado do quarto, bem acima da sua cabeça; o susto fê-la também estancar subitamente o choro – e as lâmpadas todas se acenderam, deixando-a a princípio atônita mas levando-a a descobrir logo depois a relação de uma coisa com a outra.

A descoberta deixou-a tão alegre que pela primeira vez nos últimos anos esboçou um sorriso que parecia feliz – e as lâmpadas se tornaram quase tão luminosas como no seu estado normal. Qual criança que brinca, a felicidade reencontrada levou-a a correr pela casa a verificar o brilho de cada lâmpada: a da copa, a da sala de visitas, a do jardim, todas iam se tornando brilhantes como nunca, mais ainda que no seu estado natural.

Ela sorria, era uma felicidade indescritível. A triste mulher de outrora já não existia mais, mas improvisada bailarina, graciosa porque a felicidade torna gracioso qualquer gesto, pleno ser pois é de todo ser feliz a plenitude.

As lâmpadas cresciam tanto de intensidade que ela franzia os olhos para que não doessem. E à medida que seu riso esplêndido se expandia em gargalhadas infindáveis, a casa ia ficando de uma claridade tão ofuscante que se diria iluminada por quatro sóis.

Então, repentinamente, uma dor aguda furou-lhe a fronte fazendo-a cobrir os olhos com ambas as mãos e cair de joelhos num soluço convulsivo e incontrolável.

ANTONIO BRASILEIRO

OUTRAS NOTÍCIAS