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Crítico literário argentino propõe mais experimentação na linguagem

Damián Tabarovsky -imagem Revista Replicante

Não se engane pelo título: Literatura de Esquerda, de Damián Tabarovksy, é um ensaio literário que vai além do binarismo político para propor uma forma radical de encarar a literatura. “Trata-se de uma literatura que escreve sempre pensando no lado de fora, mas num lado de fora que não é real; esse fora não é o público, a crítica, a circulação, a posteridade, a tese de doutorado, a sociologia da recepção, a contracapa, o tapinha no ombro. (…) a literatura de esquerda é escrita pelo escritor sem público, pelo escritor que escreve para ninguém, em nome de ninguém, sem outra rede além do desejo louco de novidade.”

O ensaio do escritor argentino, lançado originalmente em 2004, foi publicado pela primeira vez no Brasil no ano passado, pela Relicário Edições, de Belo Horizonte, com tradução de Ciro Lubliner e Tiago Cfer.

Tabarovksy – ficcionista, editor e colunista no jornal Perfil – brinca dizendo que escreveu o livro para pensar sobre um problema da literatura argentina que ocorria num raio de alguns quarteirões de sua casa, em Buenos Aires, onde viviam outros escritores citados. Com reedições e traduções, ele afirma que não fez grandes alterações ao longo dos últimos 14 anos e que o livro permanece atual.

“Não acho que seja bom pensar a ‘literatura de esquerda’ como um conceito que se pode aplicar a tais e quais casos, como se fosse um conceito fixo, predeterminado”, diz Tabarovsky, por e-mail. “A literatura de esquerda é um conceito dinâmico, uma posição topográfica, uma sensibilidade, antes de ser algo fixado de antemão.”

No livro, ele analisa uma espécie de acomodação que tomou conta da literatura argentina contemporânea na geração pós-anos 1980 (desta, ele cita nomes como Héctor Libertella, Fogwill, César Aira e Copi, e outros), mas fala de várias situações que extrapolam a geografia.

“Existe toda uma literatura do belo e do agradável, romances populistas anti-intelectuais em chavões midiáticos”, escreve, ao criticar a ausência de experimentação na linguagem. “Agora as classes médias, os meios, as universidades, as editoras têm a sua disposição toda uma série de romances ‘bem escritos’, ‘inteligentes’, com algumas insípidas gotinhas de experimentação, sem que por isso deixem de ser ‘emocionantes’, ‘arrebatadores’ e ‘profundos’. Refiro-me a esses romances medianos como os de Kundera, Tabucchi, SaramagoPaul Auster (…); aos novos novelões norte-americanos (como os de Franzen) e, é claro, à nova literatura internacional argentina, os romances de exportação dos jovens sérios (…)”.

“São escritores inteligentes, que conhecem o ofício, que em geral publicam em editoras e coleções prestigiosas, mas que não correm uma ponta de risco estético”, diz Tabarovksy, agora. “Buscam um leitor que, ao lê-los, sinta que fica mais culto. São um produto perfeito do mercado editorial para nos fazer crer que ali há buscas literárias profundas. São, dito em termos políticos, o inimigo da literatura radical.”

Conhecedor da literatura brasileira, Tabarovksy destaca a obra de dois autores que se aproximam do seu conceito de literatura de esquerda. “O jeito com que João Gilberto Noll enrarecia a sintaxe me parece extremamente interessante”, diz. “Também gosto muito de Sérgio Sant’Anna. Onde em Noll há demora, respiração, lentidão, em Sant’Anna há proliferação, velocidade, intensidade. São dois escritores muito diferentes, mas me interessam porque ambos pensam a frase, a forma com que se constrói uma frase, antes de tudo como um problema estético-político.”

Guilherme Sobota

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