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Floresta/por Clovis F Ramaiana Moraes Oliveira

Floresta - Fotografia de Cleber Freire

Tornou a casa velha, há muito não ia, talvez mais de 10 anos. Chegou lentamente, olho-a de longe, de perto, mirou os quatro cantos a partir daquela antiga construção: o Morro do Capitão, a Serra da Agulha , a do Dizimeiro e um monte de morros azuis para os lados do Norte.

A última vista lembrou-lhe que sempre vinham boas chuvas por ali, veio um risinho triste junto com a recordação do avô acocorado no banco enquanto olhava o mundo na esperança da chuva cair.

Chegou ao silencioso avarandado. Vieram, com as lágrimas, as imagens das corridas com o carro de pedal, era azul e parecia com o de Donald: quase se ouviu fazendo curvas, dando freadas, rindo em sonhos infantis.

Olhou o terreiro vazio, apareceram as brigas com João, as lutas de peito, as corridas de piculas, as noites de rodas, e as narrativas do avô, e as de Pedro de Santinha, e as de seu Rufino: muitas vozes ressoaram aos ouvidos, sons que contrastavam com o silêncio da casa.

 

Viu o madeirame tirado da catinga a mais de 100 anos: tudo firme. Na soleira da porta, de aroeira, uma marca de fogo: “há 45 anos gostava de passar o pé pela marca”, falou silenciosamente enquanto os olhos orvalhavam. Olhou pela janela aberta, agora, adulto, podia ver o que tinha dentro por aquela janela alta, sentiu pena: a casa estava vazia, e silenciosa, e opaca.

Imaginou os tios fazendo-a, dois apenas, Zuza e João Moraes. Fizeram-na para servir de moradia para a bisavó, para as cheias das “moças” e dos parentes, e dos descendentes.

O olhar correu pelo passado. Ali era a sala de visitas, nela ficava a mesa do dominó, quantas partidas disputadas, quantas vezes campeão, quantas derrotado e outras tão somente peru? Muitas.

Lá adiante a sala de jantar, tinha uma mesa imensa, cabiam umas 20 pessoas, a imagem da comida sendo servida e, ainda mais importante, da mãe lendo, costurando, fazendo palavras cruzadas. Também fora na mesa que soubera que a irmãzinha nascera morta. Aqui, no avarandado, dera aquele beijo, quase sentia o coração dela batendo contra o seu peito, não fora o primeiro, mas incendiou aquela noite de inverno frio.

A casa velha é recheada de “aquis”, “alis” e de “lás”, uma magia da memória traz momentos sob a forma dos lugares daquele recanto, agora vazio de gentes e silencioso de vozes. Um suspiro fundo.

As festas de São João, os tocadores, as primeiras danças, os desenhos imaginário que assistia no telhado velho, mais “alis”; o frio do inverno, os cachorros choravam!, o calor do verão, o pôr do sol na Serra da Agulha, o milharal embonecado na porta, mais “lás”.

Foi o sol, deitando-se para os lados do sertão, quem avisou: tinha de voltar para a “Rua”. Por lá, retomar a rotina de carros, semáforos, buzinas, compromissos. O vício em fumaça de gasolina, em pressismos, em sê besta puxou-o para longe de casa, tirou o chão das saudades (risos e lágrimas) e levou-o para a “Rua”. Solidão.

Clovis F Ramaiana Moraes Oliveira

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