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Que país é este?, por Affonso Romano de Sant’Anna

QUE PAÍS É ESSE

¿Puedo decir que nos han traicionado? No. ¿Que todos fueran buenos? Tampoco. Pero allí está una buena voluntad, sin duda y sobretodo, el ser así. – César Vallejo

1.

Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,
outra um regimento.

Uma coisa é um país,
outra o confinamento.

Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
– e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
– discursando rios e pretensão.

Uma coisa é um país,
outra um fingimento.

Uma coisa é um país,
outra um monumento.

Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.

Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca de especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
e ler anais
como anal
animal
hiena patética
na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?

Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
nacionais, como qualquer santo barroco
a rebuscar
no mofo dos papiros, no bolor
das pias batismais, no bodum das vestes reais
a ver o que se salvou com o tempo
e ao mesmo tempo
– nos trai

Nota.

[*] Publicado em livro em 1980, o poema é composto de sete partes. O trecho publicado aqui corresponde à primeira parte. Texto e imagem extraídos do blogue Poesia Contra a Guerra, onde o poema completo pode ser lido, além de outros poemas de Affonso Romano de Sant’Anna (nascido em 1937).

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