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Dia da Consciência Negra: lideranças civis e Inesc apontam falta de verbas como desafio para políticas na área

Checa de chacinas

Neste 20 de novembro, data que marca o Dia da Consciência Negra, o Brasil de Fato ouviu interlocutores da sociedade civil sobre o desempenho do governo Lula nas políticas públicas voltadas à promoção da igualdade racial neste primeiro ano de gestão.

Entre as diferentes fontes procuradas pela reportagem, é unânime o entendimento de que a área carece de verbas que estejam à altura da tarefa que lhe é destinada.

Dados do Portal da Transparência mostram que a vida das políticas voltadas ao segmento na administração pública federal nunca foi fácil: em 2014, período em que o orçamento da União havia destinado inicialmente R$ 56,7 milhões para a área, foram empenhados ao fim e ao cabo apenas R$ 8,28 milhões. No ano seguinte, tempos piores se anunciaram.

O orçamento da União para o período projetava um investimento inicial de R$ 75,23 milhões para a então Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), mas a presidenta Dilma Rousseff (PT) cortou 41% do montante logo nos primeiros meses do ano.

Após um duro percurso naquele 2015 turbulento e de contexto pré-impeachment, a Seppir encerrou o ano tendo executado apenas R$ 6,26 milhões das verbas.

A partir de maio de 2016, o movimento de desidratação na área foi ainda mais drástico: o então governo Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, e a área ingressou em um limbo do qual só saiu em janeiro deste ano, com a recriação do Ministério da Igualdade Racial (MIR) pela gestão Lula.

“Nós entendemos que o MIR tem um papel importante na proteção dos direitos e na defesa da igualdade racial, tanto é que ele é fruto de uma luta histórica do conjunto do movimento negro. Agora estamos numa fase de reconstrução”, observa Biko Rodrigues, liderança da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), ao reverenciar o retorno da pasta.

Sem orçamento inicial previsto para 2023, uma vez que a pasta não existia no ano passado, quando o Legislativo aprovou o orçamento da União para este ano, o recém-ressuscitado ministério executou até agora R$ 8,89 milhões destinados pela administração petista. O dado é do Portal da Transparência.

“Isso é um desafio. Ao mesmo tempo, acho importante lembrar que, mesmo sendo hoje o menor orçamento dos ministérios, é também o maior que essa pauta já teve na sua história. Óbvio que a gente sabe que, pros desafios que a gente tem, não é suficiente. Existe uma disputa pra que ele seja ampliado, que é pra gente ampliar as políticas de PIR [Promoção da Igualdade Racial]”, afirma Luka Franca, do Movimento Negro Unificado (MNU).

Na mesma sintonia, a assessora política Carmela Zigoni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), reforça o entendimento de que os recursos destinados ao MIR para este ano estão muito aquém das atribuições dadas à pasta.

A pesquisadora e a organização atuam no monitoramento do orçamento público à luz das políticas de direitos humanos.

“É um recurso bem baixo porque, apesar de ser um ministério com função meio, e não finalística – ou seja, o MIR não implementa diretamente políticas públicas de grande impacto, mas ele tem a missão de fomentar o enfrentamento ao racismo e até de executar projetos, como convênios de formação para servidores, elaboração de prêmios, fomentar o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) –, tem algumas missões do ministério que necessitam de mais recursos.”

2024

Para 2024, o Congresso Nacional discute atualmente a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA) voltada ao orçamento federal.

A versão inicial apresentada pelo governo Lula ao Legislativo propõe um montante de R$ 110 milhões para investimento em atividades do Ministério da Igualdade Racial (MIR), conforme identificado em nota técnica publicada pelo Inesc.

“[O valor de] R$ 110 milhões é um recurso relevante pra um ministério que precisa atuar pra inclusive superar o tempo perdido, pois foram quatro anos sem políticas públicas pra enfrentamento do racismo, mas o Congresso Nacional precisa aprovar.

Durante a tramitação, esse valor pode ser acrescido ou sofrer corte, então, é muito importante a gente monitorar como vai sair o texto final do Congresso”, ressalta Carmela Zigoni.

Os parlamentares preveem a última fase de votação do texto para 21 de dezembro. Segundo a proposta inicial, os valores seriam distribuídos em três subáreas. A primeira seria a de políticas para quilombolas, comunidades tradicionais de matriz africana, povos de terreiros e povos ciganos, que ficaria com R$ 40 milhões.

A verba teria potencial para beneficiar 156 comunidades. A segunda parte seria uma fatia de R$ 7,8 milhões para o Plano Juventude Negra Viva, cuja ideia é fortalecer ações que minimizem a vulnerabilidade desse segmento da população.

O programa prevê a oferta de serviços públicos em locais mais suscetíveis à violência e mira inicialmente 142 municípios que taxas mais elevadas de homicídios de jovens.

A última subárea seria a de promoção da igualdade étnico-racial, combate e superação do racismo, com R$ 62,2 milhões.

Esse investimento tende a ser segmentado da seguinte forma, segundo a proposta do governo: políticas de ações afirmativas (R$ 9 milhões); Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (R$ 28 milhões); políticas de combate ao racismo (R$ 17,2 milhões); e Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (R$ 8 milhões).

Ainda segundo o documento produzido pelo Inesc, outras pastas não preveem verbas especificamente destinadas ao enfrentamento do racismo. A nota técnica registra que apenas o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) projeta uma nova política para comunidades quilombolas, segmento cujos direitos são vistos pelo movimento negro como relevantes para se promover a justiça racial no país.

Luka Franca pontua que a liberação de verbas precisa estar relacionada a uma visão transversal dos investimentos na área.   “Não adianta você ter boas políticas de PIR se elas não se refletirem diretamente nas políticas econômicas, de geração de renda, segurança pública e acesso à Justiça.

É preciso romper com lógicas que muitas vezes parecem fora da política de igualdade racial, mas que estão completamente entranhadas. Não dá pra debater segurança pública, política carcerária, economia se não debater junto a isso as questões de gênero e raça porque a maioria da classe trabalhadora no Brasil é negra e formada por mulheres.”

Segurança

Um dos pontos críticos do atual governo em relação a essa fatia da população tem sido, por exemplo, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), decretada por Lula no início de novembro para a atuação de tropas militares em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo. É o que afirma a militante do MNU, para quem a gestão Lula comete falha ao lançar mão desse tipo de medida.

“É uma política de ordem que estabelece uma suspensão de direitos na região e que impacta diretamente a população negra e pobre porque é quando as forças de segurança conseguem ter mais respaldo para justificar atrocidades que elas já fazem cotidianamente, seja do ponto de vista de mandados de busca coletivo, seja do ponto de vista de intervenções violentas em favelas, comunidades e periferias.

A lógica militarista no Brasil é uma lógica que persegue diretamente o povo negro.”

Políticas

Em termos de ações gerais na área, o governo Lula lançou, em março deste ano, um pacote de sete medidas pela igualdade racial. A lista incluía, por exemplo, o programa Aquilomba Brasil, voltado para promover direitos de acesso à terra, políticas de infraestrutura, inclusão produtiva, cidadania e facilitar outras garantias.

“Embora algumas ações tenham sido lançadas, temos encontrado ainda muita dificuldade em acessar alguns espaços e ver essa mudança de forma nítida porque o orçamento com o qual o Estado está trabalhando é ainda o orçamento deixado pelo governo Bolsonaro”, comenta Biko Rodrigues.

 “Foram anunciados espaços de políticas públicas que são muito importantes, mas ainda não foram direcionados recursos suficientes para atender esses programas. O Aquilomba Brasil é uma continuidade do programa Brasil Quilombola.

Esperamos que agora, em 2024, a gente possa colocar essas ações na rua com recurso e implementar essa política de fato pro povo quilombola”, emenda o coordenador nacional da Conaq.

A gestão Lula prepara um novo pacote de medidas voltadas à igualdade racial que deve ser apresentado nesta segunda (20). Ainda não se sabem detalhes sobre o anúncio. A Conaq faz coro para que sejam liberados valores que estejam em sintonia com o horizonte das ações.

“É que, sem orçamento, a gente não consegue sair do lugar. As políticas para quilombolas, mulheres, juventude são transversais, mas, se não tiver recurso para que essa transversalidade ocorra na prática, a gente jamais vai conseguir de fato atender esses públicos nas suas necessidades. É preciso ter estrutura física e financeira para que a gente possa dar conta da demora histórica que há”, defende Rodrigues.

Governo

O Brasil de Fato buscou ouvir o Ministério da Igualdade Racial (MIR) a respeito dos temas evocados nesta reportagem, mas não teve retorno da assessoria de imprensa do governo até o fechamento da matéria.

Cristiane Sampaio

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