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Paralisada, votação sobre indicação de políticos para estatais pode chegar a um ‘meio-termo’

Paralisada no STF votação para indicação política

O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a julgar no dia 6 de dezembro a validade de dispositivos da lei das estatais que impõem 36 meses de quarentena para que políticos possam assumir cargos de diretores e conselheiros em empresas públicas.

Porém, no mesmo dia, um pedido de vista feito pelo ministro Kassio Nunes Marques adiou o desfecho com potencial de gerar mudanças substanciais na estrutura do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No fim de março, o então ministro relator Ricardo Lewandowski, às vésperas de se aposentar, já havia votado contra as restrições, em ação apresentada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O empate viria nesta última sessão presencial em plenário com o voto divergente do ministro André Mendonça, ou seja, favorável aos dispositivos da lei de 2016.

A votação, então, foi adiada após pedido de vista de Nunes Marques, que mesmo assim apresentou alguns indicativos da sua decisão, assim como outros de seus pares.

De acordo com o advogado Paulo Freire, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), no momento há a tendência de que mais quatro ministros sigam o caminho aberto por Mendonça, embora possivelmente com restrições.

“O Kassio Nunes já antecipou a vista logo no início e depois trouxe elementos para a reflexão do colegiado. Em seguida, também se manifestaram o ministro Gilmar (Mendes), (Edson) Fachin, Luiz Fux e Luis Roberto Barroso”, descreve Freire, que acrescenta: “é óbvio que ainda pode se alterar até a proclamação do resultado, mas todos que se manifestaram deram a entender que vão acompanhar a divergência”.

Dessa forma, o governo ganha tempo – a suspensão do julgamento tem prazo máximo de 90 dias – para tentar obter a maioria com a composição completa da Corte, ou seja, com 11 ministros. O atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, foi indicado de Lula à vaga aberta após a saída de Rosa Weber, mas ainda aguarda o aval do Senado para assumir.

O advogado Francisco Octávio de Almeida Prado Filho, também membro da ABJD e da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP, considera o desfecho imprevisível e vê a possibilidade de ser decretada uma “inconstitucionalidade parcial” da lei.

“O que nós temos hoje de concreto é a validade, pelo menos até a finalização do julgamento, da liminar dada pelo ministro Lewandowski, que foi o que permitiu essas nomeações lá no início do governo”, ressalta.

Em março, o ex-magistrado flexibilizou, por meio de liminar, a norma que impunha quarentena de três anos para a nomeação em estatais de pessoas que estivessem na estrutura decisória de partido político ou na organização e realização de campanha eleitoral.

A decisão não afetou outros requisitos estabelecidos pela lei para ocupar essas posições, como a necessidade de os indicados terem reputação ilibada, notório conhecimento na área e experiência no setor.

Concepção sobre o papel das estatais está em disputa

A Lei das Estatais foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2016 no bojo das investigações da Lava Jato que, à época, apontava o uso de empresas públicas, especialmente a Petrobras, para práticas de corrupção.

O governo federal, à época sob a batuta de Michel Temer, também via na suspeição contra conflitos de interesse uma oportunidade de aumentar a austeridade nas empresas públicas.

Uma concepção que, para Paulo Freire, está relacionada com uma “ideia privatista” e de uma “visão neoliberal” de desregulamentação mercadológica. “Sempre tenta-se limitar a política com critérios técnicos, como se os critérios técnicos também não fossem políticos, como se os critérios técnicos fossem neutros, estivessem acima do bem e do mal, acima das divergências ideológicas.

Se pensarmos nas estatais, além do papel mercadológico que elas cumprem, têm os papéis de financiar políticas públicas, de realizar políticas públicas, porque elas são patrimônios públicos, patrimônios do povo brasileiro”, observa.

O advogado menciona os já tradicionais patrocínios esportivos, culturais e de preservação histórica nacional, além do financiamento de moradia pela Caixa Econômica Federal e também do agronegócio brasileiro. “Todo ano o Banco do Brasil está subsidiando e perdoando dívidas dos grandes produtores.

Se fosse um banco que só estivesse pensando mercadologicamente a conversa seria diferente. Não teria Plano Safra, todos os subsídios e investimentos públicos que, ao fim ao cabo, é feito com dinheiro de toda população brasileira”, exemplifica.

Para Almeida Prado Filho, são “duas visões de mundo e de política distintas” que são atravessadas por esse julgamento.

“Uma parcela significativa dos dirigentes políticos, normalmente mais à esquerda, mas não só, defende a condução política, a opção por cargos de natureza política para conduzir esses assuntos, mas claro que com suporte na equipe técnica de cada uma dessas empresas, mas sem se afastar deste juízo político”, pondera.

Em seu voto, o ministro André Mendonça se posicionou pela constitucionalidade das normas e em favor do que considera “medidas preventivas” em favor da “boa governança” de empresas públicas.

“Após a Lei das Estatais houve uma mudança de comportamento em termos de eficiência. Tivemos uma redução de situações de riscos de corrupção”, proferiu, embora tenha admitido que é difícil aferir essa premissa numericamente e isentando os atuais ocupantes de cargos diretivos de quaisquer suspeitas.

AGU considera lei “inadequada e excessiva”

A eventual decisão pela constitucionalidade da lei significaria uma derrota ao governo do presidente Lula, que avalia que executivos do setor privado seriam sujeitos a influências tanto quanto os indicados políticos.

“Quando o presidente Lula diz que pessoas da iniciativa privada poderiam ter conflito de interesses também, [isso] é verdade. Da mesma forma que o fato de alguém ser político ou ligado ao governo não significa que vá atuar sem isenção e sem capacidade técnica”, comenta Almeida Prado Filho em referência a um documento entregue pela Advocacia Geral da União (AGU) aos ministros do STF.

O governo federal quer evitar o risco de ter que buscar nomes alternativos para repor estatais importantes como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

O banco público hoje é comandado pelo petista Aloizio Mercadante, que coordenou a campanha vitoriosa de Lula nas eleições passadas.

Outro exemplo seria o Banco do Nordeste, presidido atualmente pelo ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB), que também precisaria ter outro comandante.

Mesmo com desfecho incerto, os juristas ouvidos pelo Brasil de Fato acreditam que a votação poderá caminhar para um meio termo.

Alguns tópicos polêmicos já foram mencionados na última sessão do colegiado, como a possibilidade de reduzir o período de quarentena, ou criar critérios menos subjetivos sobre participação em campanhas eleitorais, que poderiam ferir os princípios da isonomia e da igualdade.

“Se eu, como economista, fizer a plataforma do plano econômico do governo, isso é participar da campanha eleitoral?

Porque os quadros técnicos, todos eles, auxiliam a formação do plano social do governo, como expandir o Bolsa Família para atingir mais pessoas, melhorar os critérios, etc”, enfatiza Freire sobre opiniões técnicas que seriam enquadradas como atos de campanha de forma não muito clara.

Na liminar que permanece em voga e também em seu voto, Ricardo Lewandowski considera que algumas medidas da lei das estatais foram “muito além das limitações já positivadas no ordenamento jurídico, criando hipóteses de vedação à escolha de administradores, que funcionam como impedimento absoluto à nomeação”.

A alegada “desproporcionalidade”, segundo ele, “viola frontalmente o princípio da isonomia e o preceito – basilar numa democracia – segundo o qual ninguém pode ser privado de direitos por motivo de convicção política”, encerra.

Alex Mirkhan

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