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Arma política de Bolsonaro, milícia digital está na mira do STF

BOLSONARO, Toffoli, Malafaia

Descobrir se há dinheiro por trás de ataques e ameaças via internet aos ministros da Corte é um dos objetivos de uma polêmica investigação

O governo tem 35% de aprovação e 27% de desaprovação, informa o novo Ibope, números que desde janeiro só pioram, motivo para Jair Bolsonaro ter trocado o chefe da comunicação do Palácio do Planalto.

Desde o início de abril a bola está com um empresário.

Fabio Wajngarten, de 43 anos, foi importante na eleição. Suas firmas de análise do que acontece na mídia, especialmente na internet, estiveram a serviço de Bolsonaro, eternamente grato à web.

É judeu, e o empresariado de origem judaica apoiou em peso o ex-capitão.

Na direção da filial local de uma rede mundial judaica de caridade na medicina, a Hadassah, a partir de 2016, estreitou laços com Bolsonaro e deste com judeus. Colaborou para aproximar o ex-capitão de homens de negócio em geral, não importa a religião.

Em agosto de 2018, organizou um café da manhã secreto, em São Paulo, do então candidato com uns 60 endinheirados. Bolsonaro agora espera um milagre propagandístico de seu colaborador para convencer o povo a engolir a reforma da Previdência e dessa maneira facilitar a aprovação dela no Congresso.

Será que Wajngarten se revelará não um salvador, mas um pepino?

O risco está na guerra contra o bolsonarismo aberta por um grupo do Supremo Tribunal Federal.

O presidente do STF, Dias Toffoli, suspeita de um complô movido a grana para desmoralizar a Corte. E que funciona através de milícias nas redes sociais (WhatsApp, Facebook).

Descobrir se há dinheiro por trás de ataques e ameaças internáuticas ao STF e seus togados, e de que bolso sai, é um dos objetivos de uma polêmica investigação instaurada por Toffoli em março.

Ao Valor de 18 de abril, o juiz foi além-mar. “Temos que saber se não há interesses internacionais por trás disso, de desestabilizar as instituições. Interesses nada republicanos.”

Segundo Olavo de Carvalho, o “grande inspirador”, o judiciário é usado pela esquerda para tomar o poder.

O inquérito foi entregue a outro togado desconfiado. Alexandre de Moraes acha que WhatsApp e Twitter têm sido usados em campanhas de ódio para atingir o tribunal, por meio de uma rede de robôs “que alguém paga, alguém financia, por algum motivo”.

Robôs: instrumentos capazes de espalhar conteúdo virtual. Na terça-feira 23, em Lisboa, onde participou de um evento do IDP, a empresa do colega de STF Gilmar Mendes, disse que apurar ofensas ao tribunal seria “muito pouco”. “O que se investiga são ameaças graves feitas inclusive na deep web (internet profunda).”

As milícias digitais são bolsonaristas, a fonte do poder e da popularidade do ex-capitão. E, para o bolsonarismo, o STF é inimigo ideológico.

O guru da turma, Olavo de Carvalho, aquele a quem o presidente chama de “grande inspirador”, acha o tribunal uma barreira ao avanço da extrema-direita.

Já dedicou uma de suas aulas pela internet a malhar o judas supremo. Foi em 22 de julho de 2018, às vésperas da eleição. Teorizou que o Judiciário é usado no mundo pela esquerda para tomar o poder. E que, baseados em princípios da atualidade, os juízes favorecem mulheres, negros, gays, indígenas.

Princípios civilizatórios, mas, para o “filósofo”, é “comunismo”.

Bolsonaro e seus generais pensam igual: “marxismo cultural”, “politicamente correto”. “Me parecia apenas que os juízes (do STF) estavam vendidos ao PT, mas a coisa é muito pior. O esquema de apropriação do País pela Suprema Corte já está em avançada fase de realização. E nós temos alguns meses para reagir contra isso. É urgente”, disse Carvalho na aula.

Umas semanas antes, ele despontara no canal no YouTube da jornalista Joice Hasselmann, eleita deputada por São Paulo pelo PSL, o partido do presidente e dos laranjas, hoje líder do governo no Congresso.

E concordou com Joice: “O Supremo é o inimigo público número 1”. Carvalho coleciona insultos ao tribunal, alimentadores do ódio bolsonarista. Em abril de 2015, escreveu no Facebook: “Enquanto houver um só juiz do STF à solta, ninguém se sentirá protegido contra o crime”.

Em dezembro daquele ano, no Twitter: “STF = são todos filhos-da-puta”. Em maio de 2016, na mesma rede social: “Os juízes do STF só farão a coisa certa se forem aterrorizados pela população”.

Funcionários do Supremo sentiram recentemente o terrorismo ideológico pregado por Carvalho.

Foi em fevereiro, quando começou o julgamento de uma ação sobre homofobia, movida em 2013 pelo partido Cidadania, novo nome do PPS.

A ala evangélica do bolsonarismo quer ter o “direito” de ofender gays. O juiz do caso no Supremo, Celso de Mello, enquadrou a homofobia como crime de racismo, até o Congresso aprovar uma lei a respeito.

Três colegas, do total de 11, concordaram, e aí o julgamento foi suspenso.

O tribunal foi alvo de uma enxurrada de ataques pela internet por mostrar-se inclinado a criminalizar a homofobia.

Apanhou em suas próprias redes sociais. Antecessora de Toffoli no comando do STF, Cármen Lúcia brecou na quarta-feira 24  a “cura gay”, autorizada em 2017 por um juiz de primeira instância de Brasília. Será surrada pelo bolsonarismo, provavelmente.

ANDRÉ BARROCAL

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