Milícia cresce e já controla 74,2% das áreas ocupadas pelo crime organizado na cidade do Rio de Janeiro, revela estudo. As facções Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e ADA diminuíram a sua área de influência
Em um período de 16 anos, as milícias quase quintuplicaram seus territórios e são hoje o maior grupo criminoso do Rio de Janeiro. As áreas sob domínio de grupos paramilitares aumentaram 387,3% entre os anos de 2006 e 2021.
A conclusão é do Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, que também mostra que ao menos 4,4 milhões de pessoas moram hoje em áreas controladas por grupos criminosos (milícia e tráfico) no Grande Rio —contingente 65% maior do que em 2006.
O estudo divulgado foi realizado pelo Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) em parceria com o Instituto Fogo Cruzado.
Milicianos controlam hoje 256 km² —metade dos 510 km² dominados pelo crime organizado na região metropolitana do Rio.
Milícias passam por nova expansão.
O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF, destaca que neste momento os grupos paramilitares passam por um novo ciclo de expansão, tornando-se a maior ameaça à segurança pública do estado.
“A tendência é bastante clara quando a gente observa o mapa, de que as milícias estão se tornando cada vez mais o grupo hegemônico no Rio”, diz ele.
Em 16 anos, milícias viram maior grupo criminoso do Rio
O especialista em segurança pública observa também que o tráfico não perdeu espaço, apesar da expansão da milícia.
“É importante dizer que os outros grupos também cresceram. O CV [Comando Vermelho] teve uma ligeira queda nos últimos anos, mas segue forte em relação às outras facções. O TCP é curioso porque tem curvas de crescimento que são semelhantes no tempo e espaço com as milícias, e o ADA tende a desaparecer”, afirma Hirata.
O primeiro período de crescimento acelerado das milícias ocorreu entre 2006 e 2010, quando a área dominada por esses grupos quase triplicou.
No entanto, a CPI das Milícias resultou na prisão de centenas de milicianos e desarticulou parcialmente as quadrilhas, que viveram um momento de relativa estagnação.
A partir de 2016, entretanto, as milícias voltaram a crescer. Para explicar essa tendência, Hirata cita desde a crise econômica no RJ a disputas no crime organizado em âmbito nacional, que em paralelo favoreceram a expansão dos grupos paramilitares.
“Houve a disputa entre o CV e o PCC nacionalmente pelo controle das rotas internacionais de tráfico de drogas. Isso se reflete no Rio com a formação, por um breve período, da facção Terceiro Comando dos Amigos, uma fusão do TCP [Terceiro Comando Puro] e do ADA [Amigos dos Amigos], para dominar sobretudo espaços do CV”, acrescenta o sociólogo.
Enquanto as milícias cresceram 387,3% no período, o CV aumentou seus domínios em 58,8%.
“Entre 2016 e 2018 temos grandes conflitos armados por disputas de territórios do Grande Rio. A partir de 2019, com a chegada de [Wilson] Witzel, temos o fim da Secretaria de Segurança, que produziu uma autonomização das forças policiais que consideramos muito deletéria”, completa.
Expansão das milícias não mirou territórios do tráfico. Ao contrário do que diz o senso comum, o crescimento das milícias não se deu expulsando traficantes de áreas controladas por eles.
O levantamento aponta que ao menos 90% da expansão territorial dos grupos paramilitares se deu em localidades que não eram dominadas por nenhum grupo criminoso anteriormente.
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Os principais eixos de expansão foram a zona oeste carioca, hoje quase integralmente dominada, e a Baixada Fluminense, onde há presença majoritária desses grupos em municípios como Itaguaí, Seropédica, Queimados e Nova Iguaçu.
Enquanto isso, as favelas dominadas pelo tráfico se concentram sobretudo na zona norte da capital e no Leste Fluminense —com destaque para Niterói e São Gonçalo. Nessas duas áreas, a presença das milícias ainda é bem menor do que a do Comando Vermelho.
Por conta desse fenômeno, chamou atenção dos pesquisadores o fato de, progressivamente, as milícias migrarem sua atenção de favelas para o asfalto —conjuntos habitacionais e sub-bairros.
Se em 2008, pouco mais de 40% das áreas exploradas por milicianos tinham esse perfil, hoje 80% dos domínios são no asfalto e apenas 20% em comunidades.
Para Hirata, isso se explica em parte pelo fato de a repressão policial ser muito mais violenta contra o tráfico, fazendo com que traficantes se abriguem em comunidades —o que dificulta acesso das forças policiais.
“A incidência da repressão estatal é mais forte sobre as facções do tráfico do que com as milícias. Então isso permite que as milícias atuem na pista de forma mais predominante. Mas é preciso dizer que o controle territorial das milícias se consolidou de maneira diferente do que do tráfico. Elas vão exercer seu controle territorial de forma menos ostensiva do que do tráfico de drogas”, avalia.
Como a pesquisa foi feita.
Para determinar qual grupo criminoso dominava cada área em cada momento, os pesquisadores utilizaram informações contidas em 689.933 denúncias anônimas envolvendo tráfico e milícias recebidas pelo Disque-Denúncia entre 2006 e 2021.
Para evitar flutuações excessivas nos dados, o estudo utiliza uma média móvel trienal para ter o retrato da distribuição dos grupos armados em cada momento.
Logo, os dados referentes a 2008 consideram também denúncias de 2006 e 2007, e assim sucessivamente.
O tamanho da população dominada. Estimativa feita pelos pesquisadores dá conta de que ao menos 4,4 milhões de pessoas vivem em favelas, conjuntos habitacionais ou sub-bairros controlados por traficantes ou milicianos no Rio.
Neste comparativo, o CV ainda fica à frente das milícias, com pouco mais de 2 milhões de habitantes nas áreas que domina.
Os grupos paramilitares estão presentes em territórios que somam 1,7 milhão.
No entanto, o próprio estudo lembra que o dado pode estar subestimado, já que, por conta do atraso no censo originalmente previsto para 2020, eles tiveram que utilizar estimativas populacionais de 2010.
A população sob jugo do crime organizado na região metropolitana do Rio é de 4.416.101 pessoas, maior do que as populações de países como Uruguai (3.554.915), Croácia (4.105.268) e Eritreia (3.989.175).
Se fosse uma cidade, também seria maior que Roma (4.297.877), Montreal (4.276.526) e Medelin (4.067.758). Em termos nacionais, seria a 3ª maior cidade do país, superando capitais como Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Manaus e Curitiba.