“É possível imaginar os pobres esquecendo que Bolsonaro os tornou miseráveis, e que os miseráveis não sabem mais o que são?”.
São fantasiosas as especulações em torno da hipótese de que Bolsonaro possa se manter com o apoio de um terço da população e chegar ao segundo turno contra Lula nas mesmas condições de 2018.
E aí, informa os formuladores desse delírios, tudo poderia acontecer. É a ‘análise’ que mais circula hoje, porque adivinhos do bolsonarismo vivem de adivinhar.
Mas tudo hoje é diferente. Bolsonaro enfrentou Fernando Haddad em 2018. A vice de Haddad era Manuela D’Ávila. As esquerdas conseguiram cometer o atrevimento de juntar dois nomes de esquerda numa tentativa de vencer a eleição sem Lula.
O PT, com Lula preso, chamou uma vice do PCdoB para a chapa, para atrair mulheres e jovens e quem estivesse mais à esquerda, para enfim rejuvenescer e ganhar vitalidade.
E deu no que deu: Haddad e Manu lutaram bravamente e não perderam feio. E teve a facada.
A eleição deste ano é de Lula contra Bolsonaro. E com Lula tendo Geraldo Alckmin de vice. Só um acidente tira Alckmin da parceria com Lula.
Imagine-se então, na hipótese de considerar Bolsonaro num segundo turno (o que só não acontecerá se Eduardo Leite ressuscitar a terceira via), que se repitam as condições de 2018.
Que a classe média em desatino corra para os braços de Bolsonaro, ainda em surto pelo fim do PSDB, e que a maioria tape o nariz e aceite Bolsonaro como ele é, só para acabar de novo com o PT.
O eleitor de 2018 acreditou, ou cometeu o autoengano de que acreditava, que Bolsonaro era meio ogro, meio admirador de torturadores, meio imbecil, meio vagabundo e meio corrupto. E acreditou que ele poderia ser meio de centro, meio sensato e até meio liberal.
O eleitor de 2018 tentava se convencer de que Bolsonaro não seria no poder o sujeito que ameaçou matar os adversários naquele discurso por celular para uma aglomeração na Avenida Paulista, entre o primeiro e o segundo turno.
Mas Bolsonaro é isto que está aí. Ele não é meio em nada. É inteiro, é completamente ogro, completamente imbecil, completamente admirador de torturadores.
É completamente líder de uma família investigada por todos os lados por corrupção. E ainda é completamente vagabundo.
Bolsonaro não andou na direção do centro, como fazem quase todos os que chegam ao poder, não negociou, não fez concessões e não parou de liderar a extrema direita.
Ampliou sua índole fascista e agora não tem como camuflar suas intenções. É um Mamãe Falei aperfeiçoado, com a diferença de que o deputado predador de mulheres pobres sabe onde fica a Ucrânia.
Mas é possível acreditar que esse Bolsonaro destruidor da economia, da educação, da saúde e do meio ambiente terá, no segundo turno, sem facada, sem outras surpresas e sem o jogo sujo das fake news, as mesmas chances de 2018?
Alguém leva a sério a possibilidade de Bolsonaro agregar as mesmas forças e os mesmos desencantados de 2018, com a gasolina a R$ 10, o gás de cozinha a R$ 120 e um pé de alface a R$ 5?
É possível imaginar os pobres esquecendo que Bolsonaro os tornou miseráveis, e que os miseráveis não sabem mais o que são?
É grandioso o esforço dos que tentam ver Bolsonaro superando milagrosamente todos os problemas que não consegue enfrentar, para chegar forte à eleição. Os esforçados são da turma do eu avisei.
Mas Bolsonaro não manda em ninguém, não sabe nada do que acontece e é controlado sem dificuldade pelos militares, pelo centrão e pela diretoria da Petrobras.
Mesmo assim, algo grave e imprevisto pode acontecer, articulado ou não pela extrema direita, e alterar os rumos da eleição? Pode.
O imponderável talvez nem seja um golpe. Nem a tentativa de esculhambar com a eleição. Mas com Bolsonaro, tudo pode.
Bolsonaro pode até desistir, e aí muda tudo. Mas Bolsonaro não terá a repetição do que teve em 2018, nem como farsa.
Moisés Mendes