Entrevista – General Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército
Villas Bôas afirma que atentado a Bolsonaro ‘materializa’ temor de que intolerância afete governabilidade
O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que o atentado ao deputado Jair Bolsonaro, candidato pelo PSL ao Planalto, “é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas”.
Em entrevista ao Estado, o general afirma que esse gesto de intolerância mostra que “nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada”.
A seguir, os principais pontos das entrevista:
– O sr. já estava preocupado com o acirramento dos ânimos. O atentado a Bolsonaro aumentou ainda mais essa preocupação?
R – O atentado é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas.
A intolerância está muito grande.
E esse atentado, infelizmente, veio a confirmar essa intolerância generalizada e a nossa falta de capacidade de colocar acima dessas questões políticas, ideológicas e pessoais o interesse do País.
– Qual o efeito do atentado para o momento eleitoral?
R – O atentado confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada.
Por exemplo, com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele.
E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção.
Daí, altera o ritmo normal das coisas e isso é preocupante.
– Temia que um atentado pudesse acontecer?
R – Por conta da exacerbação da violência, já tínhamos a preocupação de que algo pudesse acontecer. Não tínhamos indícios concretos, mas tínhamos preocupação e vínhamos alertando, como fiz na minha ordem do Dia do Soldado, quando falei da necessidade de pacificação do País.
– O sr. teme que possa acontecer mais alguma coisa?
R – Eu liguei para todos os comandantes após o desfile (de Sete de Setembro) para saber como transcorreram as festividades, e em nenhum lugar me foi reportado nenhuma manifestação.
Não sei se a população levou um choque com o que aconteceu. Espero que isso prevaleça e que a sociedade tenha levado um susto, do que pode acontecer diante dos caminhos que estávamos trilhando.
Espero que as coisas se harmonizem a partir de agora. E a declaração dos candidatos foram nesse sentido, embora nas redes sociais ainda existam mensagem de intolerância, que é um indicador ruim.
– Como o Exército acompanha a tentativa de registro da candidatura do ex-presidente Lula?
r – A gente vem pautando nossa atuação e discurso em cima da legalidade, legitimidade e estabilidade.
Entendemos que a estabilidade é fundamental para o funcionamento das instituições.
Até porque, o inverso, a instabilidade, implica diretamente em nossa atuação, como na greve dos caminhoneiros.
Preocupa que este acirramento das divisões acabe minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo governo.
Nos preocupa também que as decisões relativas a este tema sejam definidas e decididas rapidamente, de uma maneira definitiva, para que todo o processo transcorra com naturalidade.
– Um dos argumentos de Lula é um parecer do comitê de direitos humanos da ONU. Como avalia?
r – É uma tentativa de invasão da soberania nacional.
Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo.
– Na possibilidade de Lula se tornar elegível e ganhar, qual seria a posição das Forças?
R – Quem chancela isso é o povo brasileiro.
Nós somos instituição de Estado que serve ao povo.
Não se trata de prestar continência para A ou B. Mas, sim, de cumprir as prerrogativas estabelecidas a quem é eleito presidente.
Não há hipótese de o Exército provocar uma quebra de ordem institucional. Não se trata de fulanizar.
O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira.
A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos.
– Até quando essa questão tem de ser decidida?
R – Que seja decidida com oportunidade para que o processo eleitoral transcorra normalmente e naturalmente.
– O sr. acha que, se um dos extremos ganhar as eleições, radicais oposicionistas poderiam provocar desordem no País?
R – Absolutamente, não.
O País atingiu uma maturidade.
Eventualmente, podem ocorrer ações isoladas, de pequena monta, sem adquirir este caráter de uma grande instabilidade para o País.
– Bolsonaro aparece como candidato dos militares. Ele é o candidato das Forças Armadas?
R – Não é candidato das Forças.
As Forças são instituições de Estado, de caráter apolítico e apartidária.
Obviamente, ele tem um apelo no público militar, porque ele procura se identificar com as questões que são caras às Forças, além de ter senso de oportunidade aguçada.
– Um eventual governo Bolsonaro poderia ser considerado um governo militar?
R -0 Absolutamente, não. Não é um governo militar.
A postura e a conduta das Forças Armadas será exatamente a mesma em um governo de esquerda ou de direita, sem fulanizar.
– O sr. recebeu vários candidatos. O que pediu ou ouviu?
R – A intenção foi tão somente apresentar temas que digam respeito à Defesa. Até agora, não observei este tema sendo tratado.