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Por que servidores ambientais paralisaram as operações e qual o impacto na floresta Amazônica

Aumenta o desmatamento

O Brasil retomou o combate ao desmatamento e recuperou o poder de ação dos órgãos ambientais no primeiro ano do terceiro governo Lula (PT). O desflorestamento na Amazônia caiu pela metade em 2023, e invasores foram expulsos de áreas protegidas.

Os responsáveis por esse resultado são os servidores da área ambiental, que executaram ações de fiscalização, trocaram tiros com criminosos e desfizeram grandes invasões de áreas públicas, como nas terras indígenas Yanomami e Apyterewa. Apesar dos avanços, as condições de trabalho ainda estão longe do ideal.

Após quatro anos sufocados pelo governo Bolsonaro e um 2023 marcado por negociações frustradas com o governo federal, os servidores subiram o tom da mobilização. Desde 1º de janeiro, eles fazem uma paralisação das atividades externas, incluindo as operações em campo, sem as quais não é possível proteger a Amazônia.

“Esta decisão [de paralisar atividades externas] inclui também a suspensão das ações de campo na Terra Indígena Yanomami, tendo em vista a permanência das deficiências nas condições de trabalho e os resultados já alcançados na proteção ambiental desde 2023”, afirma comunicado da associação dos servidores.

Longe de uma simples reivindicação corporativista, a paralisação serve como alerta. Com apenas metade dos cargos ambientais preenchidos, será difícil manter o desmate em queda na floresta amazônica, e, consequentemente, a meta de desmatamento zero até 2030.

“Nós estamos em campo, temos a realidade nas mãos e estamos informando isso para o andar de cima. E o andar de cima tem que ouvir e considerar o que está sendo dito”, diz Wallace Lopes, agente do Ibama que atua na linha de frente contra o crime ambiental.

Em nota, o Ibama disse que participa das negociações e que está trabalhando pela continuidade das suas atividades. “A presidência da autarquia tem como uma das principais prioridades a valorização e reestruturação das carreiras do instituto e atua para isso desde o início da atual gestão”.

O Ministério do Meio Ambiente também considera o tema prioritário e declarou que a ministra Marina Silva tem trabalhado para dar “desdobramento à pauta apresentada pelas entidades representativas de servidores e servidoras”.

Negociações paralisadas até fevereiro

Segundo a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), o objetivo é pressionar o governo a retomar as negociações.

As pautas são a restruturação da carreira e a implementação de incentivos a atividades de risco. Caso as tratativas não evoluam, os dirigentes não descartam uma greve geral.

“Em outubro de 2023 entregamos nossas demandas na mesa temporária de negociações. O governo ficou de dar retorno em até um mês, mas não houve retorno. Nem apresentação de proposta outra contraproposta com relação às reivindicações dos servidores”, relata Cleberson Zavaski, presidente da Ascema.

Na última terça-feira (9), o governo disse que voltará a negociar com a categoria a partir de 1º de fevereiro. Até lá, o servidores prometem manter a mobilização. Enquanto isso, o Ibama já enfrenta dificuldades no recrutamento de servidores para atuar contra o crime ambiental na Amazônia e na TI Yanomami.

A negociação é feita com o ministério da Gestão e Inovação, de Esther Dweck. Procurada pela reportagem, a pasta disse que segue em diálogo com a categoria e que tem a recomposição da força de trabalho como pauta prioritária, porém dentro dos “limites orçamentários”.

“O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos reinstalou, no começo de 2023, a Mesa Permanente de Negociação com os servidores públicos. O primeiro acordo fechado foi o reajuste linear de 9% para todos os servidores da administração pública federal (incluindo, portanto, os servidores do ICMBio/Ibama), além do aumento de 43,6% no auxílio alimentação”, afirmou a pasta.

Carreira tem metade dos cargos preenchidos

No governo Jair Bolsonaro (PL), os servidores ambientais enfrentaram um desmonte sem precedentes e um crime ambiental mais empoderado pelo então presidente.

Mesmo acuados e sob perseguição dos chefes, eles denunciaram a situação à imprensa e às autoridades, ajudando a esclarecer a sociedade a respeito da política antiambiental bolsonarista.

Dos 8,8 mil cargos disponíveis para especialista em meio ambiente no governo federal, apenas 4,8 mil estão ocupados por servidores ativos. O restante é de aposentados ou pensionistas. O contingente está distribuído entre Ibama, Serviço Florestal Brasileiro, ICMBio e técnicos do Ministério do Meio Ambiente.

As atribuições dos especialistas em meio ambiente vão desde a conservação de ecossistemas frágeis, como cavernas e recifes de corais, até o enfrentamento de garimpeiros e invasores de terras na Amazônia.

“Eu mesmo já tive casos de trocas de tiro com pessoas que infelizmente estavam impedindo a gente de progredir com o trabalho. Isso faz parte da nossa realidade”, conta Wallace Lopes, diretor da Ascema e agente do Ibama que trabalha na linha de frente contra o crime ambiental.

“Só no ano passado foram dez ocasiões de troca de tiros envolvendo servidores do Ibama, apenas dentro da Terra Indígena Yanomami, e esse risco tem aumentado bastante. Sabemos como combate ao desmatamento, mas precisamos de mais incentivos”, pontua Lopes.

Quais as reivindicações?

A categoria reivindica a equiparação salarial com os técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA), que faz um trabalho análogo ao dos servidores ambientais, mas têm salários mais altos.

Outra demanda é a criação de uma gratificação para estimular agentes do Ibama e do ICMBio a ocuparem postos em áreas remotas e marcadas por conflitos violentos, cargos que sofrem com alta rotatividade e falta constante de servidores.

“A pauta central é a restruturação da carreira a parametrização com ANA que leve a uma equiparação salarial e uma diminuição do fosso entre analistas técnicos e auxiliares, mas também que tenham outras formas de gratificação ou indenização para esses servidores que estão constantemente em campo e constantemente em risco”, explica o presidente da Ascema.

Para que o desmatamento continue caindo na Amazônia, a entidade estima que o Ibama precisaria de no mínimo cinco mil servidores só na área de fiscalização, mais que o dobro dos funcionários trabalhando hoje em todo o órgão ambiental.

Por isso, a categoria demanda também mais concursos públicos. O Instituto não foi contemplado pelo Concurso Público Nacional Unificado, que teve os editais publicados na última quarta-feira (10).

Efeitos começam a ser sentidos

Na Terra Indígena (TI) Yanomami, onde uma força tarefa federal tenta expulsar os garimpeiros, os efeitos da paralisação começam a ser sentidos pela chefia do Ibama. O recrutamento de novos agentes para operações no território já está dificultado.

De 87 servidores inscritos para atuar no Grupo de Combate ao Desmatamento da Amazônia (GCDA) e na TI Yanomami, apenas quatro confirmaram as inscrições. Em assembleia na última quarta (10), os servidores decidiram que não vão integrar a operação permanente das Forças Armadas no território.

“As operações previstas para janeiro/fevereiro foram comprometidas, conforme alertamos anteriormente. E, dependendo do ritmo das negociações, as ações institucionais programadas para os meses seguintes também poderão ser comprometidas”, alertou a Ascema em comunicado divulgado no dia 9.

“Não adianta fazermos promessas de preservação ambiental”

Sob Lula, a pauta ambiental é um dos pilares de sustentação da política externa do Brasil. Seja na COP28, em Dubai, ou na Cúpula da Amazônia, em Belém, o presidente se comprometeu diante do mundo com a proteção da Amazônia e lançou a meta ousada de desmatamento zero até 2030.

Nos segundo mandato do petista, com Marina Silva no Meio Ambiente, foram criados Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o ICMBio, órgãos que somaram forças com o Ibama. O resultado foi uma queda recorde de 80% do desmatamento da Amazônia.

Os servidores pedem que a gestão federal garanta as condições mínimas de funcionamento de um sistema de proteção que o próprio governo Lula ajudou a criar – e sem o qual não haverá futuro sustentável para o país.

“Não adianta mais fazer promessas em todos os encontros internacionais, se agente não fortalecer de fato as instituições.

E isso passa necessariamente pela restruturação da carreira de meio ambiente, pela realização de concursos e principalmente por ouvirem o que os servidores estão falando”, diz Wallace Lopes, agente do Ibama.

Murilo Pajolla

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