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Michel Temer desmonta programa de saúde mental modelo para o mundo

MANICÔMIOS PRIVADOS VÃO FATURAR

“A maior ameaça à política de saúde mental desde 1990”; “As mudanças afrontam os direitos humanos e a reforma psiquiátrica antimanicomial adotada no país”.

“O ministro da Saúde não pode desfazer numa canetada uma política de Estado amparada pela legislação federal, pelo controle social do SUS e mundialmente reconhecida por seus resultados”.

Nada adiantou. Nem mesmo estes, entre tantos outros apelos de profissionais e entidades especializadas foram suficientes.

A reunião ordinária da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do Sistema Único de Saúde (SUS) aprovou, sem nenhum tipo de discussão, em Brasília, as mudanças na política de saúde mental propostas através de portaria do Ministério da Saúde.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental, Paulo Amarante, a controversa portaria foi aprovada a “toque de caixa”.

“Não foi aberta a palavra. Eu pedi a palavra, o Ronald Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde, pediu também e o ministro respondeu grosseiramente que não daria a fala a ninguém.

A portaria só foi lida. Não tivemos qualquer possibilidade de manifestação”, disse o presidente do Conselho.
Sérios retrocessos

Desde que a portaria que altera a política de atendimento à saúde mental foi colocada em pauta, várias entidades, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC) se manifestaram contra.

De acordo com eles, a portaria impõe sérios retrocessos no tratamento de pacientes com transtornos mentais e a usuários de álcool e drogas.

Todos temem, sobretudo, o retorno da internação de pessoas com transtornos em hospitais psiquiátricos.

Para o psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, esta, “é a maior ameaça à política de saúde mental desde 1990 quando começaram as discussões sobre a reforma psiquiátrica”.

Para ele, além de dar aval a hospitais psiquiátricos, a medida traz o risco de cancelamento do financiamento para outros serviços.

A procuradoria, por sua vez, alegou que “as mudanças afrontam os direitos humanos e a reforma psiquiátrica antimanicomial adotada no país, pois limitam os recursos para unidades que trabalham com a reinserção psicossocial de pessoas, como serviços residenciais terapêuticos, ao passo que aumentam o custeio de hospitais psiquiátricos”.

Considerando que há o dever legal de diminuir as internações hospitalares e a segregação das pessoas com deficiência, para que elas sejam de regra atendidas em serviços extra-hospitalares, não há razoabilidade no aumento do custeio dos hospitais psiquiátricos, na diminuição do financiamento ao gestor local que fechar leitos para atender no modelo extra-hospitalar, e na manutenção do número de leitos em hospitais psiquiátricos.

Não há como não enxergar que esta política apenas incentiva a manutenção de hospitais psiquiátricos, o que viola frontalmente a Lei nº 10.216/2001 e nega às pessoas com transtorno mental o direito de serem tratados em serviços, diz a nota.

Também em nota, o CFP disse ser contrário à proposta do Ministério da Saúde de mudança na política de saúde mental.

O conselho destaca que, na semana passada, foi concluído encontro com dezenas de instituições que marcou os 30 anos de mobilização em defesa do fim dos manicômios.

Nele, foi aprovada a Carta de Bauru, que reafirma que “uma sociedade sem manicômios é uma sociedade democrática”.

A Comissão

A Comissão Intergestores Tripartite conta com representantes do Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

O presidente do Conasems, Mauro Junqueira, disse à Agência Brasil que “boa parte da proposta é muito interessante, tem avanços”, mas discordou de que as mudanças vão ampliar a internação em hospitais psiquiátricos.

Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde foi procurado pela Agência Brasil, mas a assessoria informou que as propostas finais do órgão serão apresentadas na reunião, prevista para as 8h30.

“Retrocesso na saúde mental?”

Em artigo publicado nesta quinta-feira (14), na sessão “Tendências e Debates”, da Folha de S.Paulo, com o título “Retrocesso na saúde mental?”, vários profissionais ligados à saúde mental se posicionaram contra a portaria.

De acordo com eles, “nos últimos 30 anos, o Brasil construiu uma política de Estado para portadores de transtornos mentais que ganhou o reconhecimento da Organização Mundial da Saúde”.

Neste novo cenário, “o orçamento federal, que antes subvertia a lógica ao priorizar internações, hoje destina 75% de seus recursos para serviços extra-hospitalares, que ajudam homens e mulheres a encontrar saúde mental e felicidade lá onde ela pode estar, no cotidiano da vida em comunidade”.

Para os profissionais, “a proposta ressuscita o financiamento de ambulatórios de saúde mental, sobrepostos aos serviços comunitários existentes. O conjunto das propostas privilegia a internação e duplica serviços. Como os recursos são escassos e decrescentes, o resultado será o sucateamento da rede comunitária de saúde mental”.

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