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Sistema público de saúde no Brasil é melhor que nos EUA

Criticada por usuários, a saúde pública brasileira funciona muito melhor do que nos EUA. Mas deixa a desejar quando comparada aos modelos europeus. Mais dinheiro é o que falta ao nosso sistema.

É só falar em saúde pública que o brasileiro torce o nariz. Pu­­de­ra. De imediato, vêm à cabeça ce­­nas de hospitais lotados, ma­­cas pelos corredores e pessoas que esperam meses por uma con­­sulta com um especialista ou por uma cirurgia.

A despeito disso e diante do desespero dos norte-americanos às voltas com seu próprio sistema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não hesitou. Disse que dará um conselho ao presidente americano, Barack Obama, na próxima vez que o encontrar. “Vou falar para ele: Obama faça um SUS. É ba­­rato e de qualidade.” Lula, claro, virou motivo de chacota, diante de todas as deficiências do mo­­delo nacional de saúde pública.

De acordo com especialistas, porém, quem conhece a realidade americana sabe que o Brasil, mesmo com todos os pontos ne­­gativos do Sistema Único de Saú­­de (SUS), está anos-luz à frente dos EUA. “O SUS é uma proposta extremamente ousada, avançada e democrática. Temos um fi­­nanciamento solidário, em que o imposto de todos oferece cobertura para todos”, diz o professor de Saúde Coletiva da Universida­de Positivo, Moacir Ramos Pires, um autointitulado “entusiasta do SUS”.

“Avançamos muito nos últimos anos e somos referência para os países da América Latina e também para os desenvolvidos”, afirma o professor do curso de Medicina da Uni­versidade de São Paulo e pós-doutor pela Uni­ver­­sidade de Harvard Milton de Arruda Martins.

A avaliação muda completamente, porém, quando a comparação é feita entre o SUS e o sistema público de saúde do Ca­­nadá e de alguns países europeus, onde os usuários não precisam, por exemplo, esperar meses por uma consulta com especialistas.

Mais dinheiro é o que, resumidamente, pode fa­­zer com que o SUS ofereça um atendimento mais próximo do ofertado por sistemas considerados modelos mundiais.

A América de mal a pior

Os indicadores de saúde nas terras do Tio Sam têm sido considerados péssimos. E uma explicação pode estar na falta de assistência à população carente.

Um documentário do cineasta Michael Moore, chamado Sicko, revela que por lá tem hospital abandonando doentes nas calçadas e que quem não tem condição de pagar por um seguro de saúde corre o risco de morrer, ou então ficar sem a ponta dos dedos – Rick, personagem de uma das histórias mostradas no filme, perde as pontas de dois dedos numa serra e acaba reconstruindo apenas um deles por US$ 12 mil, já que não tinha ou­­tros US$ 60 mil para pagar pela cirurgia do segundo dedo.

É que nos EUA há dois sistemas públicos. Um para os mais pobres, o Medicaid, e um para os idosos, o Medicare. O restante da população tem de contratar seguros de saúde se quiser cobertura, o que normalmente custa caro.

O problema é que dos 300 milhões de norte-americanos, cerca de 50 milhões, como Rick, não são tão pobres a ponto de serem incluídos nos programas do governo e ao mesmo tempo não têm condições de contratar um seguro de saúde – é justamente este grupo desassistido que Obama tenta incluir nos sistemas públicos por meio de sua reforma.

Brasil dando exemplo

No Brasil, o SUS é usado de forma exclusiva por 70% da população, ou seja, cerca de 134 milhões de pessoas. Mas está aí para o que der e vier para os 190 milhões de brasileiros. E mesmo quem paga plano de saúde, por vezes, pode recorrer a ele, ao contrário do que acontece nos EUA.

“Na medicina suplementar (plano de saúde), você consegue ir até um certo ponto e, às vezes, só na sua cidade”, lembra a diretora-geral do Hospital de Clínicas de Curi­tiba, Heda Amarante.

Não é raro que tratamentos de câncer ou transplantes de um usuário sejam cobertos pelo SUS, depois que o plano de saúde vira as costas. Isso sem falar nos medicamentos de alto custo, como no caso do tratamento da aids.

“O SUS é o melhor plano de saúde que existe. Ele não tem carência, não exige pagamentos adicionais, não tem auditoria médica e não nega procedimentos de alta complexidade e próteses”, opina o diretor-geral do Hospital Evangélico, Cons­tan­tino Miguel Neto.

Universal com qualidade

Mas, se por um lado o Brasil está à frente dos norte-americanos, por outro está dez maratonas atrás de países como Inglaterra, França, Portugal ou Canadá. Esses países também contam com sistemas universais, tal como o nosso SUS.

A diferença é que lá o processo costuma funcionar melhor. Na França, cerca de 96% da população não troca o sistema público pelo particular. A Inglaterra, com seu sistema de “médicos de quadra”, é considerada um modelo. No Canadá, o sistema universal de atendimento à saúde faz inveja aos vizinhos dos EUA.

Esses sistemas, claro, não são como um plano de saúde cinco estrelas. Por lá, também é comum a reclamação de usuários sobre a demora para conseguir acesso a alguns procedimentos. “Já esperei de seis meses a um ano para ter uma consulta com especialista. Por isso, muitas vezes acabamos por recorrer aos privados para não ter de esperar”, conta a psicóloga portuguesa Sandra Machado, 25 anos.

Mesmo assim, quem conhece a realidade daqui e de lá é categórico: os sistemas europeus são modelos a serem seguidos.

“Os portugueses sempre se queixam, é normal. Mas quem já usou o sistema público do Brasil sabe que aqui em Portugal estamos realmente no céu. Eles nem imaginam a realidade brasileira”, afirma a engenheira de alimentos Nair do Amaral Sampaio Neto, 30 anos, brasileira que vive em Portugal desde 2007.

“Aqui não diferem classe alta de baixa. É limpinho e bem organizado. Nunca passei mais de 10 minutos para ser atendida”, conta.

Para melhorar

Mas o que falta para o Brasil chegar lá? Primeiro tempo. “Em termos de construção do sistema de saúde pública, o SUS é novo. Tem apenas 20 anos”, avalia a superintendente da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Eliane Chomatas. Na Inglaterra, por exemplo, o Sistema Nacional de Saúde foi implantado em 1948, ou seja, há 61 anos.

Em segundo lugar, é necessário rever a remuneração dada aos médicos do SUS, considerada baixa em relação ao mercado – enquanto o SUS, paga R$ 10 por uma consulta, com um especialista, a Unimed paga, em média, R$ 42, por exemplo.

A regra, claro, não é geral, mas, com uma remuneração baixa, os médicos do Sistema Único de Saúde tendem a entrar, mas não ficar. Fazem do SUS trampolim para montar seus consultórios particulares, depois de ficar anos em jornadas exaustivas, trabalhando em 3 ou 4 locais diferentes no mesmo dia ou semana.

O terceiro ponto, e o mais essencial de todos, é a questão do financiamento do sistema. O sub financiamento gerou um dos principais problemas do SUS: um gargalo nos serviços de média complexidade, com filas, por vezes de anos, para uma simples consulta com um especialista.

Saúde custa caro, mas no Brasil, de todo o gasto com este setor, apenas 40% é desembolsado pelo poder público. O restante é pago pelo particular.

Este porcentual é semelhante ao aplicado pelo EUA no seu modelo não universal. Um contrassenso. Países que se propõem a atender toda a população por um sistema público são responsáveis por investir, em média cerca, de 85% dos recursos com saúde.

Luz no fim do túnel

O passo inicial para remodelar o sistema brasileiro já foi dado, com a Emenda 29/2000, que definiu para municípios e estados porcentuais mínimos obrigatórios em investimento de saúde.

Tal dispositivo, porém, não foi até agora regulamentado. Como ninguém sabe dizer ao certo o que realmente conta como gasto de saúde tem gestor colocando o que pode na conta da saúde, de saneamento básico à me­renda escolar.

De acordo com os especialistas, a regulamentação da Emen­­­da 29 deve ser uma saída para pôr ordem na casa e melhorar o sistema de saúde pública. As­­sim, quem sabe, depois de regulamentar a Emenda 29, os brasileiros possam falar que o SUS pode não ser barato para os cofres públicos, mas é de qualidade.

Fonte: Daniel Castellano

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