A prefeitura de Sorocaba divulgou nesta quarta-feira 14 um estudo realizado pela gestão do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) para justificar o uso do chamado ‘kit Covid’, que utiliza medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19.
O estudo, no entanto, não utiliza metodologia científica para provar a tese defendida.
De acordo com uma nota da Secretaria de Saúde do município, o estudo preliminar teria apontado 99% de eficácia do tratamento precoce contra a Covid-19.
Para chegar a este resultado, a pasta acompanhou, por telefone, 123 pacientes que utilizaram os medicamentos. Apenas um morreu, informaram, os demais se recuperaram.
“O estudo apresentou uma taxa de letalidade de 0,81% entre os pacientes monitorados. Atualmente, o índice de letalidade é de 2,7% na cidade de Sorocaba, abaixo da taxa estadual, que é de 3,2%. Até o momento, 1.113 pacientes optaram pelo tratamento precoce na cidade”, diz a nota.
A farsa do estudo que diz que ivermectina reduz risco de morte em 75%.
Pacientes estão na fila de transplante de fígado após tomarem ‘kit covid’.
Médicos alertam que uso de Ivermectina está comprometendo fígado de pacientes
A prefeitura diz ter questionado os participantes sobre a idade e comorbidades – informações são essenciais em um levantamento como este – mas não divulgou mais detalhes.
Procurada, a Prefeitura de Sorocaba não divulgou informações sobre os participantes do estudo, mas afirmou que “foi monitorada pela Secretaria da Saúde amostra de 123 pacientes, de diferentes características, gêneros e idades, que tiveram receitados os medicamentos que compõem o tratamento precoce.”
Propaganda política
Questionada sobre a efetividade de um estudo como o de Sorocaba, a infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Raquel Stucchi, afirmou que os resultados não dizem nada, e servem apenas como propaganda política.
“Se tivessem tomado chá de hortelã, também teriam a mesma evolução. Isso porque 85% dos casos de Covid tem esta evolução, sem agravamento”, explica a infectologista.
Segundo ela, um estudo sério recolheria dados randomizados – ou seja, os pacientes utilizados em cada grupo do experimento são escolhidos de forma aleatória.
Todos os estudos randomizamos feitos pelo mundo tem mostrado que os medicamentos defendidos como ‘tratamento precoce’ contra a Covid-19 não funcionam.
A própria fabricante da ivermectina, um dos remédios defendidos, afirmou que o medicamento não é eficaz contra a doença.
Medicamentos estão causando mortes no Brasil
As notificações por efeitos adversos decorrentes do uso de medicamentos do “kit Covid”, como hidroxicloroquina, dispararam em 2020 na comparação com o ano anterior. Segundo um levantamento do jornal O Globo, ao menos dez mortes do tipo foram notificadas, todas após março deste ano.
O destino trágico da cidade que distribuiu cloroquina e ivermectina de graça
Cidades que distribuíram “kit covid” tiveram taxa de mortalidade mais alta
A pesquisa foi feita com base no Painel de Notificações de Farmacovigilância mantido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por contas destes riscos, parlamentares do PSOL, PT e PDT entraram com uma ação no Ministério Público de São Paulo contra a Prefeitura de Sorocaba e seu prefeito pelo uso dos medicamentos.
Para os acusadores, a decisão da prefeitura de Sorocaba afronta a ciência, a posição cientifica de organismos internacionais de saúde e a sociedades médicas brasileiras, pois todos já anunciaram que os medicamentos não são eficazes contra os sintomas.
“Há informações oficiais que o processo de cobertura vacinal contra a Covid em Sorocaba está em descompasso significativo.
Sabe-se que a vacina é a única possibilidade com alta probabilidade de eficácia comprovada pela ciência contra a Covid-19, não havendo até o momento método farmacológico comprovado para tratar precocemente doentes de Covid-19”, dizem os parlamentares.
Números crescem em Sorocaba
Em 1º de janeiro de 2021, Sorocaba havia registrado 566 mortes causadas pela covid-19.
Anteontem, o índice saltou para 1.377, um aumento de 143%. O protocolo com tratamento precoce foi adotado pela prefeitura, segundo comunicou o órgão, em 19 de março.
A média de mortes em decorrência da doença não para de crescer desde fevereiro. Se antes era de 4 óbitos por dia em média, em abril já são 20.
Os óbitos de abril (263) já correspondem a 74% dos óbitos de março (357). O mesmo cenário acontece em relação aos novos casos, que atualmente (6.046) correspondem a 75% de todo o mês de março (8.043).
Os dados foram levantados a pedido do Uol pela plataforma Infotracker, da USP (Universidade de São Paulo) e da Unesp (Universidade Estadual Paulista). O instituto utiliza os números divulgados pelo próprio governo estadual de São Paulo.