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Para especialistas, literatura do maravilhoso tem papel importante na formação das crianças

Ilustração de Samuel Casal Foto: Samuel Casal/Editora do Brasil

RIO — Monstros, fadas, bruxas, gigantes e personagens tradicionais do folclore brasileiro povoam a literatura infantil e juvenil desde antes de nossos bisavós virarem suas primeiras páginas. A chamada literatura do maravilhoso, habitada por estes e outros seres cujas existências não podem ser explicadas pela racionalidade adulta e carimbadas no imaginário das crianças pelos clássicos europeus, segue motivando lançamentos e debates, e encantando mesmo quem já vem ao mundo com um tablet no berço.

Neste Dia Nacional do Livro Infantil — a data é a do nascimento de Monteiro Lobato (1882-1948) —, o criador de Emília, Narizinho e Pedrinho é lembrado justamente por suas histórias fantásticas. À parte as controvérsias sobre o racismo que lhe entranha as narrativas, Lobato é marco da literatura maravilhosa brasileira, por ter trazido a gerações de leitores alegrias mitológicas como a Cuca, o Saci, a Curupira, entre outros tantos companheiros nossos existência afora.

Com ele, estão Câmara Cascudo (1898-1986), profundo entendedor das manifestações culturais nacionais, com seus recontos, Graciliano Ramos (“A terra dos meninos pelados”), Joel Rufino dos Santos (“O saci e o curupira”) e autores que se dedicam à literatura dos povos da floresta e das divindades da mitologia africana, como Kaká Werá, Daniel Mundukuru, Kiusam Oliveira, Sonia Rosa e Rogério Andrade Barbosa.

A escrita maravilhosa desembarcou no Ocidente nas versões pioneiras do italiano Giambatistta Basile, que abririam portas e janelas para Hans Christian Andersen e os Irmãos Grimm. No Brasil, depois de Lobato viriam os textos juvenis de ficção científica dos anos 1960, e os autores do apogeu da literatura infantil e juvenil, Sylvia Orthof, Fernanda Lopes de Almeida, Ana Maria Machado, Maria Clara Machado…

— O maravilhoso é tudo aquilo que é sobrenatural e que, ainda assim, ninguém estranha. Um personagem sai voando, e tudo bem. O lobo mau come a avó inteira, e depois você a encontra abrindo a barriga dele — aponta Alexandre de Castro Gomes, autor de livros adotados em escolas, muitos deles sobre monstros e folclore, como “Quem matou saci?” (Escarlate), “Encontros folclóricos de Benito Folgaça” (Editora do Brasil) e “Condomínio dos monstros”(RHJ). — A literatura infantil se apropriou do maravilhoso e sabe utilizá-lo muito bem. A cabeça da criança tende a ser mais mágica.

Ilustração de Samuel Casal Foto: Samuel Casal/Editora do Brasil
Ilustração de Samuel Casal Foto: Samuel Casal/Editora do Brasil
 

No catálogo que levou neste mês à Feira literária de Bolonha, voltada à produção para este público, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) destacou lançamentos nessa linha. Viajaram à Itália, por exemplo, “A avó amarela”(Oze), de Júlia Medeiros e Elisa Carareto, que tem dentes de porcelana e cozinha lembretes; “O búfalo que só queria ficar abraçado” (Carochinha), de Thais Laham Morello e Juliana Basile, cheio de afetos; a delicada “Casa de passarinho” (Positivo), de Ana Rosa Costa e Odilon Moraes, entre outras gemas verdes e amarelas.

— Meu modo de trabalhar magia e o fantástico é em cima do real. Em “Pedro e a lua” (Jujuba), há um menino, uma pedra e uma tartaruga. A fantasia entra no momento em que a tartaruga é uma pedra e a pedra é um pedaço da lua — diz Odilon Moraes, aos 30 anos de ilustrações. — Não tem dragão, fada, duende, mas a possibilidade de dar outro sentido às coisas. A criança está muito mais no mundo concreto do que nós. Quer coisa mais fantasiosa do que o dinheiro do adulto, um pedaço de papel?

Ilustração de Samuel Casal Foto: Samuel Casal/Editora do Brasil
Ilustração de Samuel Casal Foto: Samuel Casal/Editora do Brasil

O número de títulos vem caindo a cada ano, na esteira da crise das editoras, ressalta Elizabeth Serra, à frente da FNLIJ. Mas o momento é áureo para a literatura infantil em termos das virtudes de texto e imagem.

— O maravilhoso sempre existiu, e valorizamos os marcos, como “Flicts”, do Ziraldo, que está fazendo 50 anos e traz a originalidade da imagem e da ideia juntos. Melhor do que livro didático, só livro de literatura. A cultura da escrita é a da liberdade, da independência — diz Elizabeth.

Nesta quinta-feira, das 10h às 18h, na Biblioteca Parque Estadual, no Centro, a edição especial do evento “Conversa Literária” terá rodas de conversa atravessadas pelo mundo maravilhoso.

— Existe uma censura atualmente nesse sentido. Editoras querem histórias do dia a dia da criança — critica a organizadora, Cintia Barreto. — Mas este universo é muito importante para a formação humana, leva o público infantil a outros mundos, ampliando seu repertório e potencial criativo. Viemos dessa tradição.

Roberta Pennafort e Karen Acioly

 

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