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Episódios desgastam Bolsonaro na ativa das Forças Armadas

(FILES) In this file photo taken on November 24, 2018 Brazilian Army General Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira (R) speaks to Brazilian President-elect Jair Bolsonaro (C), during the graduation ceremony of new paratroopers at the Parachute Infantry Battalion Vila Militar, in Rio de Janeiro, Brazil. - Brazil's right-wing President Jair Bolsonaro on March 25, 2019 ordered the armed forces to hold "appropriate commemorations" of the March 1964 military coup -- while denying it was a coup. "Our president has ordered the Defense Ministry to carry out appropriate commemorations related to March 31, 1964," 55 years on, Bolsonaro's spokesman Otavio Rego Barros said at Planalto Palace in Brasilia. (Photo by Fernando Souza / AFP)

O desgaste do governo Jair Bolsonaro entre setores do serviço ativo das Forças Armadas cresceu na última semana.Três fatores principais, além de questionamentos já existentes sobre a identificação dos militares com o governo, concorreram para isso.

O principal foi a confusão acerca da divulgação dos números da Covid-19 no país pelo Ministério da Saúde, controlado pelos militares.

Foi visto com reserva o desempenho do interino, o general da ativa Eduardo Pazuello, por alguns de seus colegas de farda.

A decisão dos militares da pasta de seguir a ordem de Jair Bolsonaro e alterar parâmetro de contagem de mortos e de reduzir a transparência de dados foi vista como danosa às Forças.

Ao longo dos anos pós-redemocratização, pesquisas apontaram os militares como titulares da instituição mais bem vista do país, e esse patrimônio está, para muitos, sob risco.

Pazuello é visto como um oficial cumpridor expedito de ordens. Assim, talvez por corporativismo, as críticas são mais centradas ao Planalto.

Outro fator de atrito foi o decreto, do Ministério da Defesa, permitindo ao Exército operar aviões de asa fixa, e não só helicópteros.

O caso, divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo, provocou uma forte reação na Força Aérea, e o texto foi revogado na segunda (8).

Parece uma discussão bizantina, mas não é. A interoperabilidade entre Forças é chave de qualquer poder armado moderno: quanto mais sobreposições de funções, pior.

A Aeronáutica viu no gesto um agrado a mais ao Exército, Força de origem do capitão reformado Bolsonaro.

Os aviadores são politicamente mais distantes do governo. Eles têm apenas um ministro nominal, Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), que saiu da cota pessoal do presidente.

O Exército tem 7 dos 9 ministros militares, e a Marinha tem 1, mas possui assento na Secretaria de Assuntos Estratégicos no Planalto.

Há ecos históricos aqui: Juscelino Kubitschek quase enfrentou uma revolta ao tentar acomodar aviadores e marinheiros quando comprou o porta-aviões Minas Gerais, em 1956.

O navio foi encomendado para tentar apaziguar os ânimos das duas Forças contra o governo, mas só fez piorar a situação. A disputa sobre quem operaria aeronaves na embarcação só foi resolvida no ano 2000, com a reativação da operação de aviões pela Marinha.

O imbróglio atinge novamente a posição do ministro da Defesa, general da reserva Fernando Azevedo, cujo papel tem sido questionado nos meios políticos e militares.

No sábado (6), ele novamente embarcou em um helicóptero militar com Bolsonaro.

Desta vez não foi sobrevoar ato golpista como no domingo anterior (31), mas sim para acompanhar o chefe em mais uma visita simbólica a uma unidade militar –o Comando de Artilharia do Exército.

Azevedo foi questionado por ministros do Supremo acerca de sua conduta, e as respostas que deu foram consideradas evasivas.

Políticos de oposição dizem que essas demonstrações de suposto apoio da ativa feitas por Bolsonaro só agravam a crise política, já coalhada de rumores golpistas.

Na visita a Formosa (GO), por outro lado, o presidente estava acompanhado pelo comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.

Ele e Bolsonaro estão afastados, e o presidente cogitou removê-lo do cargo, por divergências acerca da condução da crise do coronavírus.

Nas últimas visitas relâmpago do presidente a unidades do Exército, o general não estava presente. Também participaram outros integrantes da ala militar do governo, como os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além do capitão Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).

O terceiro item no cardápio de problemas, intensamente comentado em grupos de militares na terça (9), foi a revelação pelo jornal Folha de S.Paulo de que o Exército está perto de fechar um acordo com a fabricante americana de pistolas SIG Sauer.

A empresa é objeto de lobby pessoal do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

para alguns oficiais, o esforço do filho presidencial prejudica o projeto, que vinha sendo discutido desde 2018, e o contamina com suspeita de ingerência política.

A área de armas e munições, obsessão da família do presidente e objeto da promessa de Bolsonaro de armar a população, é foco de ruídos.

Cabe ao Exército regular a área, mas o presidente derrubou duas portarias de controle recentemente.

Com tudo isso, a ativa mantém o alto grau de ansiedade imposto pela dinâmica política de Bolsonaro e de seus ministros egressos da caserna.

Há bastante apoio ao presidente, em especial no seu embate com decisões do Supremo, mas ele vem decrescendo à medida que aumenta a graduação do militar.

Há uma preocupação, compartilhada com os integrantes da ala militar, com as crescentes manifestações de rua contra Bolsonaro.

Por um lado, uns temem que o presidente busque usar eventuais conflitos para justificar a convocação das Forças Armadas contra protestos.

O tema chegou a um paroxismo na semana passada, mas Bolsonaro foi aconselhado pela ala militar a baixar a fervura, apesar de aqui e ali acusar ativistas contra seu governo de radicalismo.

Para os generais do governo, a prioridade é estabilizar o quadro político, uma vez que por ora o apoio do centrão está sendo angariado com cargos.

Isso remove uma ameaça mais imediata de abertura de processo de impeachment, neste momento.

Há também entre os fardados o temor da radicalização em si, já que faz parte da mentalidade militar a preocupação constante com cenários de contingência.

Isso tem sido minimizado por governadores, segundo os quais os atos por ora estão sob controle e suas polícias, em que pese a decantada simpatia da categoria pelo bolsonarismo, trabalhando normalmente.

O teste do domingo passado (7) transcorreu com atos limitados e sem complicações.

Isso animou, por sua vez, oposicionistas, que esperam que uma onda maior contra o presidente se forme se houver um arrefecimento na pandemia do novo coronavírus nos próximos meses.

FOLHAPRESS

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